
A relativa calmaria nos mercados financeiros depois do anúncio do adiamento de 90 dias da aplicação das chamadas "tarifas punitivas" foi interrompida, nesta quarta-feira (16), por uma nova medida de Donald Trump.
O presidente dos Estados Unidos restringiu a exportação de chips americanos mais avançados à China. O dólar no Brasil chegou a R$ 5,916 por volta das 10h, mas no final a cotação se moderou para R$ 5,879.
A medida faz bolsas de valores voltarem ao negativo. Na Europa, com moderação. As mais afetadas, outra vez, são as americanas. A Nasdaq, que concentra ações de empresas de tecnologia, cai 2,4%, enquanto os principais índices da bolsa de Nova York recuam cerca 1%. A medida afeta diretamente a Nvidia, que projeta perdas de US$ 5,5 bilhões.
A Nvidia é uma empresa que vinha decolando na esteira da inteligência artificial. Integra um grupo chamado, nos EUA, de "magnificent seven" – referência a um filme clássico de faroeste que teve remake em 2016. Compõem essa elite Alphabet (Google), Amazon, Apple, Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Microsoft, Nvidia e Tesla.
Ainda contribui para a nova onda de turbulência um texto distribuído pela Casa Branca que menciona tarifa de 245% contra a China. Até então, o nível conhecido era de 145%, então até agora ninguém sabe se foi erro de digitação ou o cálculo embute alguma nova medida.
Atualização: depois de provocar perdas de alguns bilhões de dólares nas bolsas, a Casa Branca corrigiu o texto que acentuou a turbulência desta manhã. Agora, ficou assim:
"A China enfrenta uma tarifa de até 245% sobre importações para os Estados Unidos como resultado de suas ações retaliatórias. Isso inclui uma tarifa recíproca de 125%, uma tarifa de 20% para abordar a crise do fentanil e tarifas da Seção 301 sobre bens específicos, entre 7,5% e 100%."
Os erros em cascata no tarifaço
1. De diagnóstico: para Trump, os déficits comerciais dos EUA estão na raiz de todos os problemas. A coluna já detalhou que, em muitos casos, esses resultados são provocados por... companhias americanas. A Apple tem produção espalhada por todo o globo e assina seus dispositivos com "Designed by Apple in California", assim como montadoras de carros e até de tênis, como a Nike e suas 71 unidades só no Vietnã.
2. De objetivo: em teoria, a meta é forçar empresas americanas – como Apple e Nike – a levar essa produção descentralizada de volta aos EUA para fugir das tarifas punitivas. Esse processo leva anos: é preciso construir unidades, comprar equipamentos. Se der certo, vai dar muito errado: a corrida de volta para casa tende a provocar uma demanda difícil de atender, o que pressionaria a inflação já elevada pela entrada de produtos com maior tarifa de importação. Outra expectativa é arrecadar mais para financiar cortes de impostos que Trump planeja fazer sem impactar ainda mais a já pesada dívida dos EUA. Mas não são governos que pagam tarifas. Nem os odiados estrangeiros. Como as tarifas são repassadas aos preços, quem vai bancar o tarifaço será o americano que comprar produtos importados.
3. De concepção: o tarifaço era aguardado. Gigantes financeiras, como Goldman Sachs e universidades de primeira linha, como Yale, projetaram, na pior das hipóteses, tarifas lineares de 25%. Engano de quem projetou? Não, de quem concebeu a possibilidade de sobretaxas de até 145%. Tarifas mais baixas provocariam efeitos negativos, mas não derretimento de mercados e perda de confiança nos Treasuries.
4. De elaboração: como era preciso fazer muitos cálculos, United States Trade Representative (USTR, principal órgão de comércio exterior dos EUA) simplificou: dividiu o superávit comercial de cada país com os EUA pelo total das exportações dessa mesma nação. E dividiu outra vez por dois, para ser "gentil". A inclusão de uma ilha povoada apenas por pinguins e focas nos 10% da "tarifa padrão" reforça o grau de amadorismo.
5. De aplicação: o anúncio foi feito em 2 de abril. As tarifas padrão, de 10%, passaram a incidir já no dia 5 e as punitivas chegaram a entrar em vigor nesta quarta-feira (9) antes de serem suspensas. Se era para negociar, o prazo deveria ter sido maior.
6. De avaliação: na Trumposfera, a China acataria sem chiar uma alíquota que a essa altura soma inacreditáveis 145%. Mas o gigante asiático retaliou – com "gentileza", para até 125% – e o presidente americano acusou o golpe, dizendo que o país oriental havia "entrado em pânico" e "não sabia jogar". A OMC estima que essa soma inviabiliza 80% do comércio entre os dois países.