
Trata-se de uma das frases mais repetidas durante eleições e até mesmo no intervalo, para se referir à popularidade de um presidente: "É a economia, estúpido!". A expressão é atribuída a James Carville, estrategista político de Bill Clinton, durante a corrida presidencial de 1992. Foi uma resposta sobre o motivo pelo qual Clinton derrotou George Bush (o pai!) e, com ele, décadas de domínio republicano na Casa Branca.
Os americanos enfrentavam uma recessão sob Bush pai e votaram no democrata. A explicação? "É a economia, estúpido!". Corta para 2025: o mundo se pergunta o que, afinal, o novo presidente republicano dos Estados Unidos está tentando fazer, chacoalhando o mundo e ameaçando transformar o que era opulência em seu oposto, a indigência.
Quer reindustrializar os EUA? Fazer caixa para cortar impostos? Adiar a transformação da China na maior economia do planeta? Ganhar dinheiro para si e seu grupo mais próximo? Trumbicar, em vez de comunicar? Destronar de vez os EUA como refúgio seguro para investidores?
Depois de tudo, a tese que está se consolidando é a de que "é o estúpido, estúpido!". Em nove dias, de 2 a 11 de abril de 2025, Trump transformou uma potência com problemas, mas ainda um alicerce do mundo, em adversário desleal de ao menos 185 países – todos os que foram alcançados pelas suas tarifas de altos 10% a ridículos 145% Talvez uma exceção notável sejam as famosas Ilhas Heard e McDonald, porque os pinguins não devem ter se importado com a alíquota de 10%.
Precisou a China reagir com uma alíquota de 125% e avisar que pararia porque, acima disso, acréscimos não fazem sentido, porque o comércio simplesmente cessa. “Dado que produtos americanos não são mais comercializáveis na China sob as atuais tarifas, se os EUA aumentarem ainda mais as taxas sobre as exportações chinesas, a China ignorará tais medidas”, afirmou em nota o Ministério das Finanças de Pequim na semana passada.
E assim chegamos a esse momento, em que as duas maiores economias do planeta, em tese, não vão comprar e vender mercadorias entre si. Claro, é impensável. Claro, alguém terá de ceder. A China não parece disposta. Os EUA estão sob risco de perder seu status de porto seguro dos portos seguros.
A cada vez que são cobrados pelo caos instaurado pelo chefe, assessores de Casa Branca dão de ombros e alegam que as pessoas não souberam ler A Arte da Negociação, livro assinado por Trump que conta seus feitos no mercado imobiliário. Na "obra", a lição número 1 é "faça um pedido ridiculamente alto". Ou ignora que governar um país é diferente de negociar um imóvel ou, realmente, "é o estúpido, estúpido".
Os erros em cascata no tarifaço
1. De diagnóstico: para Trump, os déficits comerciais dos EUA estão na raiz de todos os problemas. A coluna já detalhou que, em muitos casos, esses resultados são provocados por... companhias americanas. A Apple tem produção espalhada por todo o globo e assina seus dispositivos com "Designed by Apple in California", assim como montadoras de carros e até de tênis, como a Nike e suas 71 unidades só no Vietnã.
2. De objetivo: em teoria, a meta é forçar empresas americanas – como Apple e Nike – a levar essa produção descentralizada de volta aos EUA para fugir das tarifas punitivas. Esse processo leva anos: é preciso construir unidades, comprar equipamentos. Se der certo, vai dar muito errado: a corrida de volta para casa tende a provocar uma demanda difícil de atender, o que pressionaria a inflação já elevada pela entrada de produtos com maior tarifa de importação. Outra expectativa é arrecadar mais para financiar cortes de impostos que Trump planeja fazer sem impactar ainda mais a já pesada dívida dos EUA. Mas não são governos que pagam tarifas. Nem os odiados estrangeiros. Como as tarifas são repassadas aos preços, quem vai bancar o tarifaço será o americano que comprar produtos importados.
3. De concepção: o tarifaço era aguardado. Gigantes financeiras, como Goldman Sachs e universidades de primeira linha, como Yale, projetaram, na pior das hipóteses, tarifas lineares de 25%. Engano de quem projetou? Não, de quem concebeu a possibilidade de sobretaxas de até 145%. Tarifas mais baixas provocariam efeitos negativos, mas não derretimento de mercados e perda de confiança nos Treasuries.
4. De elaboração: como era preciso fazer muitos cálculos, United States Trade Representative (USTR, principal órgão de comércio exterior dos EUA) simplificou: dividiu o superávit comercial de cada país com os EUA pelo total das exportações dessa mesma nação. E dividiu outra vez por dois, para ser "gentil". A inclusão de uma ilha povoada apenas por pinguins e focas nos 10% da "tarifa padrão" reforça o grau de amadorismo.
5. De aplicação: o anúncio foi feito em 2 de abril. As tarifas padrão, de 10%, passaram a incidir já no dia 5 e as punitivas chegaram a entrar em vigor nesta quarta-feira (9) antes de serem suspensas. Se era para negociar, o prazo deveria ter sido maior.
6. De avaliação: na Trumposfera, a China acataria sem chiar uma alíquota que a essa altura soma inacreditáveis 145%. Mas o gigante asiático retaliou – com "gentileza", para até 125% – e o presidente americano acusou o golpe, dizendo que o país oriental havia "entrado em pânico" e "não sabia jogar". A OMC estima que essa soma inviabiliza 80% do comércio entre os dois países.