
Todas as análises mais abrangentes sobre os efeitos do tarifaço de Donald Trump precisam ser cautelosas. Primeiro, porque a única certeza que se tem é de que o principal efeito é... explosão da incerteza. Mas proliferam diagnósticos de que à frente se vê um novo mundo, diferente do que conhecíamos até agora.
Um dos sinais mais fortes dessa mudança vem dos títulos do Tesouro americanos, até agora o porto seguro dos portos seguros. Os papéis de longo prazo (T-Bonds de 30 anos) decolaram, indicando baixa procura. A lógica é que, se não há demanda, é preciso elevar a remuneração para captar.
E recuam os juros dos Bunds (títulos soberanos da Alemanha). Com maior número de interessados, pode pagar menos. O movimento sugere saída de investimentos em Treasuries e entrada nos papéis alemães. Então, o porto seguro já não é mais tão... seguro.
"Em apenas 10 dias, o presidente acabou com as velhas certezas que sustentavam a economia mundial, substituindo-as por níveis extraordinários de volatilidade e confusão", resumiu a revista britânica The Economist, que titulou na capa The Age of Chaos (A Era do Caos).
Com outras formas e outras palavras, é isso que têm repetido economistas, empresários e historiadores. A crise nos mercados amainou nesta sexta-feira (11): as bolsas asiáticas e europeias encerraram com sinais mistos e sem variações fora do habitual. As americanas fecharam no "positivo normal", entre 1% e 2%. No Brasil, o dólar recuou 0,46% com cautela, para R$ 5,871.
Mas as perdas nos mercados, especialmente no dos EUA, já provocaram empobrecimento, porque seis em cada 10 americanos poupam comprando ações. Sem contar o risco incomensurável (que não se pode medir) que cerca os Treasuries.
Os erros em cascata no tarifaço
1. De diagnóstico: para Trump, os déficits comerciais dos EUA estão na raiz de todos os problemas. A coluna já detalhou que, em muitos casos, esses resultados são provocados por... companhias americanas. A Apple tem produção espalhada por todo o globo e assina seus dispositivos com "Designed by Apple in California", assim como montadoras de carros e até de tênis, como a Nike e suas 71 unidades só no Vietnã.
2. De objetivo: em teoria, a meta é forçar empresas americanas – como Apple e Nike – a levar essa produção descentralizada de volta aos EUA para fugir das tarifas punitivas. Esse processo leva anos: é preciso construir unidades, comprar equipamentos. Se der certo, vai dar muito errado: a corrida de volta para casa tende a provocar uma demanda difícil de atender, o que pressionaria a inflação já elevada pela entrada de produtos com maior tarifa de importação. Outra expectativa é arrecadar mais para financiar cortes de impostos que Trump planeja fazer sem impactar ainda mais a já pesada dívida dos EUA. Mas não são governos que pagam tarifas. Nem os odiados estrangeiros. Como as tarifas são repassadas aos preços, quem vai bancar o tarifaço será o americano que comprar produtos importados.
3. De concepção: o tarifaço era aguardado. Gigantes financeiras, como Goldman Sachs e universidades de primeira linha, como Yale, projetaram, na pior das hipóteses, tarifas lineares de 25%. Engano de quem projetou? Não, de quem concebeu a possibilidade de sobretaxas de até 145%. Tarifas mais baixas provocariam efeitos negativos, mas não derretimento de mercados e perda de confiança nos Treasuries.
4. De elaboração: como era preciso fazer muitos cálculos, United States Trade Representative (USTR, principal órgão de comércio exterior dos EUA) simplificou: dividiu o superávit comercial de cada país com os EUA pelo total das exportações dessa mesma nação. E dividiu outra vez por dois, para ser "gentil". A inclusão de uma ilha povoada apenas por pinguins e focas nos 10% da "tarifa padrão" reforça o grau de amadorismo.
5. De aplicação: o anúncio foi feito em 2 de abril. As tarifas padrão, de 10%, passaram a incidir já no dia 5 e as punitivas chegaram a entrar em vigor nesta quarta-feira (9) antes de serem suspensas. Se era para negociar, o prazo deveria ter sido maior.
6. De avaliação: na Trumposfera, a China acataria sem chiar uma alíquota que a essa altura soma inacreditáveis 145%. Mas o gigante asiático retaliou – com "gentileza", para até 125% – e o presidente americano acusou o golpe, dizendo que o país oriental havia "entrado em pânico" e "não sabia jogar". A OMC estima que essa soma inviabiliza 80% do comércio entre os dois países.