
O diretor de Pesquisa Econômica do Banco Pine, Cristiano Oliveira, avalia que as tarifas prometidas em campanha por Donald Trump têm potencial de gerar recessão nos Estados Unidos. Ao menos é a percepção que está se dissipando no mercado, mas que Oliveira já sustenta desde quando o dólar batia R$ 6,30: "era efeito manada, exagero descolado de fundamento".
O economista tem uma visão "mais construtiva" da economia nacional para 2025, com menor depreciação do real e risco de guerra comercial diluído.
O mercado está mais calmo com Trump?
É o contrário. Durante o Carnaval, entre sexta e quarta-feira, houve bastante volatilidade no mercado internacional, com aumento das incertezas globais. E o risco global tem subido por conta das incertezas e inconsistências, do ponto de vista econômico, do que já foi anunciado por Trump. Se Trump efetivar as tarifas, os Estados Unidos vão colher uma inflação maior e uma provável recessão. Para evitar uma recessão mais grave, o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) terá de cortar o juro. Essa percepção aumentou bastante nas últimas semanas e está fazendo com que o dólar perca valor globalmente. A variável nova é risco de recessão nos EUA.
O real pode se fortalecer contra o dólar?
Não dá para assumir o momento atual e extrapolar para o ano inteiro, porque não sabemos se o Trump não pode reverter as medidas. Se você perguntar a minha opinião pessoal, acho que o Trump vai voltar atrás em quase tudo ao longo do ano, porque são medidas inconsistentes. Mas o mercado está acreditando que vai ocorrer uma retração maior do PIB americano. A tendência é de um dólar mais fraco do que se supunha há sete semanas, quando Trump tomou posse. Temos uma visão diferente do mercado há algum tempo já. O que estava errado era dólar a R$ 6,30. O dólar perto de R$ 5,70 parece mais próximo da realidade.
Por quê?
Não tenho a ideia de que o real necessariamente vai sofrer com as tarifas americanas. O Brasil deve continuar exportando para os mercados emergentes, que são nossos principais clientes. Talvez a valorização do real neste ano tenha sido até rápida demais, não se esperava. Mas o que estava errado era o real do ano passado. Boa parte do mercado local entrou na onda ruim, mas era efeito manada, exagero descolado de fundamento. No ano, o real está ganhando cerca de 7% frente ao dólar. Uma parcela da melhora vem do Exterior, algo em torno de 40%, e 60% é correção do exagero do ano passado.
Por que há percepção de que a economia não vai bem, apesar de o PIB ter fechado 2024 com alta de 3,4%?
É preciso separar as coisas. A economia real, que inclui emprego, indústria, serviços, comércio e agropecuária, vai muito bem, obrigado. E a percepção é que continue indo bem. Agora, o lado do mercado financeiro tenta antecipar o movimento da economia global, é a percepção do que pode acontecer no futuro, não na situação presente. E essa projeção do mercado é bastante volátil, depende do humor global. Estamos vivendo um mundo em que a percepção de risco global está aumentando depois do Trump. E a incerteza tende a provocar uma desaceleração no crescimento da economia dos EUA, o que vai afetar boa parte dos mercados desenvolvidos e emergentes. A principal locomotiva do mundo pode desacelerar em ritmo maior do que se supunha antes e afetar os outros vagões, dos quais um é o Brasil.
Para onde vai a economia brasileira em 2025?
O juro está subindo, o Banco Central está colocando em um patamar mais restritivo para o crescimento econômico. A política fiscal tende a ser menos expansionista, pelo menos em 2025. E também devem desacelerar a demanda agregada, o consumo das famílias. São muitos vetores baixistas para a atividade, incluindo o global. E tem um vetor altista neste momento que vem da agropecuária, que deve crescer 7% neste ano. O crescimento esperado pelo Banco Pine para 2025 é perto de 2%. A parte cíclica do PIB, que depende de juro, de câmbio, de demanda doméstica, tende, de fato, a desacelerar. No entanto, aquela parte que depende de exportações para mercados emergentes e questões climáticas tende a performar melhor em 2025.
Não embute temor de guerra tarifária?
Se houver uma guerra comercial entre as principais economias do mundo, o Brasil, como exportador de proteína e grãos, tende a ser beneficiado. Enquanto os Estados Unidos estiverem destruindo acordos comerciais, acredito que a China vai fazer justamente o contrário, vai fazer acordos. A China será a principal beneficiada da política de Trump no longo prazo.
Em que medida o risco fiscal preocupa para 2025?
O risco fiscal brasileiro continua elevado. Nos últimos 30 anos, de tempos e tempos, se discute se o Brasil está em dominância fiscal. Essa discussão pode ganhar força de novo a partir do segundo semestre, porque vai estar mais próximo das eleições de 2026. É legítima a preocupação de que o governo pode gastar mais pensando nas eleições, mas o que precisa ficar claro é que o Brasil já paga um prêmio de risco fiscal há pelo menos 30 anos.
Qual a principal agenda econômica para este ano?
Não acreditamos em ajuste fiscal em final de mandato presidencial, não vai acontecer. Essa deveria ser a agenda do país, mas não sei se vai ser.
E como você vê a inflação neste ano?
Temos uma inflação ainda acima do teto da meta para este ano, mas sem exagero, perto de 5%. Já para o ano que vem, a previsão é de uma inflação que pode ficar abaixo do teto de novo. Mas há risco de a inflação global ser maior do que se supunha meses atrás, e o Brasil importa parte da taxa. A depreciação do real exagerada no final do ano passado também provocou um aumento do preço dos bens importados. Como o câmbio voltou, parte dessa percepção de aumento de inflação pode ser revertida ao longo do tempo.
E a Selic?
Para Selic, tenho 14,75% neste ano. Não pode exagerar. Dependendo de como for o comportamento das variáveis, o Copom (Comitê de Política Monetária) já pode iniciar o processo de corte de juro no ano que vem.
Por que o Banco Pine prevê boa parte dos indicadores abaixo da maioria do mercado?
Tem que perguntar por que o mercado vê mais alto. Tenho uma visão mais construtiva. Ao mesmo tempo, vejo um cenário internacional mais incerto, uma economia americana provavelmente crescendo menos do que se espera, vai ter reflexo no mundo inteiro. E parte do reflexo aparece na forma de um dólar mais fraco, o que parcela do mercado não está enxergando. Uma eventual guerra comercial beneficiaria o Brasil.
*Colaborou João Pedro Cecchini