
O impacto dos programas sociais do governo no mercado de trabalho são foco de estudos acadêmicos e de debates políticos ou ideológicos. Um dos aspectos mais discutidos é a influência na procura por emprego. Estudiosos percebem reflexo na informalidade, mas há divergências quanto ao tamanho do efeito.
Conforme o economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, que estuda o tema, o atual modelo de assistência social estimula a informalidade, uma vez que o valor do benefício tem potencial de competir com o do salário formal, sobretudo com o aumento do pagamento definido durante a pandemia e ampliado em 2022.
O Bolsa Família teve o seu valor médio triplicado desde dezembro de 2020, de R$ 191 para R$ 671 no início deste ano. O número de famílias beneficiadas também teve aumento no período, de 14,2 milhões para 20,6 milhões.
— Ganhar R$ 1 mil em Bolsa Família, dependendo da quantidade de filhos, e fazer um bico de motorista de aplicativo ou entregador para ganhar mais R$ 2 mil pode parecer mais vantajoso do que ganhar R$ 3 mil com carteira assinada, com descontos e limitações — exemplifica Gala.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) Daniel Duque também afirma que, quando as vantagens de políticas assistenciais superam as do emprego remunerado, os programas sociais têm potencial de reduzir a taxa de participação no mercado de trabalho, sobretudo entre jovens e mulheres.
— As mulheres têm de deixar as atividades domésticas para trabalhar, e os jovens podem preferir estudar. Se conseguirem emprego, ainda podem ter renda menor do que homens adultos. O benefício menor do emprego e o custo maior de procurar um trabalho fazem esses grupos mais sensíveis à expansão dos programas sociais — acrescenta Duque.
No mercado, há dificuldade para contratar em setores em que o piso salarial é mais baixo por menor necessidade de especialização, como construção civil, hotéis e restaurantes. Também há maior rotatividade, já que a atividade econômica está mais aquecida.
Estrutura incentiva emprego
Diante de críticas que apontam desestímulo ao emprego formal em razão da expansão do Bolsa Família, o diretor do FGV Social, Marcelo Neri, ressalta que há um mecanismo no programa voltado a incentivar a busca por trabalho: a Regra de Proteção.
Criada em 2023, a norma garante a permanência da família no programa por até dois anos mesmo que tenha aumento de renda por emprego, até o limite de meio salário mínimo por indivíduo. Quem ingressa na Regra de Proteção passa a receber 50% do valor regular do Bolsa Família.
Para Neri, a expansão dos benefícios tem potencial de, ao menos em uma primeira análise, gerar efeito multiplicador. O economista calcula que a renda real do trabalho por indivíduo (descontada a inflação) teve crescimento de 10,7% entre a metade mais pobre da população no quarto trimestre de 2024 frente igual período do ano anterior, enquanto o rendimento dos 10% mais ricos subiu 6,7%.
Possíveis ajustes em programas
Duque defende ajustes no programa, como readequação dos pagamentos que variam conforme a quantidade de integrantes da família beneficiada. Segundo o pesquisador, a mudança favoreceria os mais vulneráveis, que costumam ter mais filhos e menos adultos na composição familiar.
Já Gala afirma que seria preciso fortalecer e sofisticar a cadeia produtiva, gerando empregos com melhores remunerações, o que aumentaria o benefício de participar do mercado de trabalho formal.
Neri diz que é preciso entender melhor a atual estrutura do Bolsa Família, sobretudo após a inclusão da Regra de Proteção. E chama atenção para o impulso do empreendedorismo no país, que pode ter impacto no mercado de trabalho formal.
*Colaborou João Pedro Cecchini