
O jornalista Mathias Boni colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Ganha força nos últimos dias um temor no mercado internacional de que os Estados Unidos possam enfrentar uma recessão ainda em 2025. Desde que Donald Trump reassumiu a presidência do país, a aplicação de uma série de medidas, em especial a imposição de tarifas contra outros países, têm aumentado o cenário de incerteza quanto ao futuro da atividade econômica do país nos próximos meses.
A especulação de uma possível recessão foi reforçada por uma entrevista do próprio Trump no último domingo (9). Perguntado se haveria uma recessão neste ano nos Estados Unidos, o presidente do país não afastou a possibilidade, dizendo "detesto fazer previsões como essas".
— Há um período de transição, porque o que estamos fazendo é muito grande. Estamos trazendo a riqueza de volta aos Estados Unidos. Isso leva um pouco de tempo — complementou, ainda sem descartar a possibilidade de recessão.
Para entrar tecnicamente em recessão, um país precisa apresentar resultados negativos no PIB por dois trimestres consecutivos. Apesar disso ainda não ter ocorrido, a atividade econômica dos Estados Unidos já demonstrou desaceleração no último trimestre de 2024, quando cresceu 2,3% ante os 3,1% da taxa anual no trimestre anterior.
Na última semana, um índice publicado pela filial de Atlanta do Federal Reserve (o Fed, banco central dos EUA), chamado GDPNow, modelo que projeta a variação anual do PIB no país utilizando diferentes indicadores econômicos do momento, aumentou ainda mais o alerta para uma possível recessão. Conforme a atualização mais recente da projeção, feita em 6 de março, o Fed de Atlanta prevê uma contração de 2,4% no PIB deste primeiro trimestre de 2025 nos Estados Unidos, na projeção anualizada.
Para a instituição, a redução no gasto pessoal dos consumidores, somada à expectativa de diminuição do ritmo de exportações, são os fatores que mais contribuem para essa projeção. Se confirmada uma contração de 2,4%, seria a maior queda no índice trimestral do PIB dos Estados Unidos desde o segundo trimestre de 2020, fortemente impactado pela pandemia de covid-19 naquele momento.
As incertezas da política tarifária
— Em nosso cenário-base, a gente acredita que a economia norte-americana deve desacelerar ao longo de 2025, mas por enquanto não enxergamos uma recessão. A gente vê com preocupação os índices de confiança ao consumidor caindo nos últimos meses, principalmente expectativas em relação aos próximos meses. As famílias americanas estão preocupadas com questões inflacionárias, com incertezas com a política tarifária de Trump, e isso tem afetado a confiança. Se os consumidores estão menos propensos a consumir, isso vai afetar a atividade econômica — observa o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.
Uma das principais marcas deste início de novo mandato presidencial de Trump nos Estados Unidos tem sido a aplicação de tarifas comerciais a produtos de diversos países, como China, México e Canadá. Especialistas apontam que a ofensiva tarifária de Trump pode contribuir para um aumento inflacionário no país.
— Com relação à questão tarifária, a retomada de políticas protecionistas, por parte dos EUA, pode impactar diretamente nos custos de importações de insumos, o que vai contribuir para elevar os custos de produção e fazer maior pressão sobre a inflação doméstica — reforça o professor Anderson Antônio Denardin, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Maria.
— O risco de recessão existe, mas vai depender de como a autoridade monetária agirá ao operar com a taxa de juros, sendo que o banco bentral americano tem sinalizado que não medirá esforços para conter a inflação, caso a pressão nos preços persista, mesmo que seja necessário levar os juros a patamares que promovam retração na atividade econômica. Assim, quem vai ditar o ritmo da atividade econômica nos EUA vais ser a dose do remédio que será necessária para conter a pressão inflacionária — complementa Denardin.
Qual impacto no dólar
Além do impacto direto na atividade econômica do país, a política tarifária de Trump têm causado grande incerteza no mercado internacional, pois por vezes essas medidas anunciadas são modificadas, adiadas ou mesmo suspensas. Essa turbulência, somada ao crescente temor por uma possível recessão nos Estados Unidos, ou mesmo de desaceleração da atividade econômica, tem impacto no câmbio, promovendo uma valorização do dólar em relação a moedas como o real.
Em cenários de incerteza, os investidores buscam ativos mais seguros no mercado, como o dólar. Por isso, ao menos em um primeiro momento, moedas de países emergentes, como o real no Brasil, tendem a se desvalorizar em razão deste maior fluxo de recursos em direção aos Estados Unidos.
— Essa guerra comercial é o grande pano de fundo desse cenário de incertezas. Quando esse tipo de situação ocorre, os investidores correm em busca de ativos seguros, como é o dólar, e os capitais migram para os Estados Unidos. Dessa forma, por essa razão, a moeda norte-americana acaba valorizada em relação às outras moedas, principalmente de países emergentes — destaca André Azevedo, professor do programa de pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Pelotas.
A incerteza no cenário econômico dos Estados Unidos fez a cotação do dólar crescer 1,06% na segunda-feira (10), chegando a R$ 5,852. Nesta terça-feira (11), em razão do princípio de acordo por cessar-fogo temporário na guerra entre Rússia e Ucrânia, a moeda norte-americana teve queda de 0,68%, encerrando o dia cotada a R$ 5,812.
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