Foi rápido, como costuma ser com projetos de interesse nacional (sim, contém ironia): o Senado aprovou na noite de quarta-feira (19), um projeto de lei que raspa os cofres públicos: vai buscar os chamados "restos a pagar" desde 2019. Vitória da oposição, já que o resultado é uma nova ameaça ao equilíbrio fiscal? Não, o autor foi o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o relator, o líder do superoposicionista PL, Carlos Portinho (RJ).
Inimigos, inimigos, negócios à parte. Restos a pagar são valores que foram previstos nos orçamentos anuais, mas não efetivamente desembolsados. Em um país que não costuma ter sobras (superávit), isso significa necessidade de buscar nas já apertadas contas deste ano um espaço para cerca de R$ 4,6 bilhões. Falta a confirmação formal da Câmara dos Deputados, mas não há dúvida sobre esse desfecho, já que a votação na casa original foi 65 a 1.
E para que finalidade muito meritória serão aplicados esses recursos? Boa parte será destinada ao pagamento de emendas parlamentares – há suspeita de que inclua algumas das bloqueadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que os líderes envolvidos negam. Afinal, a maioria dos parlamentes não perde mesmo o sono com o risco embutido pelo aumento da dívida do Brasil.
A proposta é tão contraproducente que o Congresso adotou medidas para atenuar seu impacto (sim, ironia, etc). O pagamento poderá ser feito até o fim de 2026 – para o ano seguinte, está previsto o "estrangulamento orçamentário" reconhecido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Ainda não se sabe como esse valor será acomodado, mas é bom lembrar que a votação do orçamento de 2025 ficou para este ano, com ameaça de nem ser se não houvesse acordo para pagar emendas, ao contrário do que prevê a legislação.
Nas contas do relator, do valor a ser liberado, R$ 2,4 bilhões seriam para despesas discricionárias (não obrigatórias), R$ 2,2 bilhões em emendas de relator (RP9, o antigo modelo do "orçamento secreto") e R$ 60 milhões em emendas de comissão (RP8, a nova versão desse mecanismo).
O executivo de plantão precisa ser cobrado e julgado pela falta de compromisso fiscal. Mas é preciso ao menos compartilhar essa responsabilização com o Congresso.