Com cerca de três décadas de experiência em Direito, Welber Barral se especializou em Direito Internacional do Comércio e Investimento Estrangeiro. Sócio no escritório Barral Parente Pinheiro Advogados, atua em soluções jurídicas estratégicas para quem se embrenha no mundo das exportações e importações. Com essa missão, acompanhou cada dia da semana de posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos sob suspense. Como diz nesta entrevista, um imposto de importação de 3% sobre matérias-primas básicas já é muito, e Trump ameaçou com tarifas de 60% e 100%.
O fato de Trump ainda não ter anunciado aumento de tarifas é um alívio prolongado ou temporário?
O mercado respondeu com alívio, inclusive o dólar baixou em vários países do mundo, mas na realidade deve anunciar algo, porque continua falando da questão de tarifas e de usar tarifas em negociações com outros países.
Se não anunciar aumento de tarifa, para que serviram as bravatas da campanha, para negociar?
Sim, a lógica do Trump é bem transacional, ou seja, ele vê tudo como uma forma de negociação e vai usar muitas ameaças de tarifas, inclusive para resolver problemas geopolíticos. É o que ele fez com a Rússia agora, ameaçando aumentar as tarifas e aumentar as sanções também contra a Rússia (se não houver cessar-fogo na guerra contra a Ucrânia).
Se anunciar, que nível de aumento pode ser considerado "absorvível" e a partir de que patamar pode complicar muito o comércio internacional?
Existe uma discussão sobre aplicar uma tarifa de entre 3% e 5% para todos os produtos. Isso tem efeito muito divergente, dependendo do produto. Para commodities (matérias-primas básicas, como petróleo e soja, em que preço define negócios), 3% já é muito. Se pensar em produtos manufaturados ou de consumo, 3% é absorvível. Então, a tarifa horizontal teria efeitos muito diferentes, dependendo do setor. No caso da China, ele chegou a ameaçar com 60%, mas parece que houve uma conversa com o Xi Jinping que poderia levar a uma promessa chinesa de aumentar as compras nos Estados Unidos, o principal objetivo do Trump.
Caso não haja aumento impactante de tarifas, as ameaças de Trump podem perder credibilidade?
A interpretação de muitos analistas, e eu concordo, é que o Trump faz da imprevisibilidade um mecanismo de negociação. Ou seja, ele ameaça com tarifas, tem algumas concessões, posterga as tarifas, mas continua com a ameaça como forma de negociação. Isso deve continuar ao longo de todo o governo e, eventualmente, ele pode sim adotar tarifas contra alguns países ou contra a União Europeia, que ele também já ameaçou, como forma de obter uma redução do déficit norte-americano.
Trump fez dois outros claros desafios ao multilateralismo, a saída da OMS e do Acordo de Paris. Como isso impacta os demais países?
Sobre as outras medidas que ele tomou, saindo de iniciativas multilaterais como OMS e o Acordo de Paris, claro que tem um efeito negativo para o mundo inteiro. Os Estados Unidos pagavam quase 20% das despesas da OMS e o Acordo de Paris tem os Estados Unidos como um dos maiores poluidores do mundo, então é necessária a participação deles. Uma interpretação de alguns dirigentes internacionais, que eu não sei se é correta, é que é um retrocesso de quatro anos, que eles vão ter que tolerar o retrocesso de quatro anos, que depois os Estados Unidos vão acabar voltando a essas iniciativas multilaterais.
O fechamento de fronteira com o México por decreto de emergência nacional para barrar imigrantes é aceitável do ponto de vista das relações internacionais?
A questão da aceitação de imigrantes é fundamentalmente uma norma interna, ou seja, existem alguns acordos internacionais de cooperação, mas os Estados Unidos têm, como qualquer país, autonomia e soberania para determinar suas regras sobre a aceitação de estrangeiros. Então vai haver, sim, uma discussão muito grande entre a competência federal e a competência dos Estados e cidades norte-americanos, porque muitas delas têm regras menos duras para imigrantes.
A ameaça de taxar em 25% na entrada nos EUA de produtos de Canadá e México seria um ‘aperitivo’ para a renegociação de acordo?
Sobre Canadá e México, o Trump vem ameaçando durante toda a campanha por conta de imigração, de tráfico e da questão do déficit americano. No outro governo ele já renegociou o nafta e criou um novo acordo chamado USMCA, que é uma nova versão do nafta que não mudou muita coisa na realidade a não ser algumas questões de regra de origem, mas o Trump usou isso para cantar vitória e talvez isso aconteça de novo, ele vai usar essa pressão sobre o Canadá e México para fazer a renegociação do acordo.
Trump também disse que Brasil e América Latina precisam mais dos EUA do que vice-versa. É um fato?
Sobre a relação com a América Latina, no outro governo, a América Latina não foi uma prioridade para os Estados Unidos, a não ser na questão de tráfico, de imigração e da Venezuela. Talvez agora, com um secretário de Estado latino, mude um pouco essa questão. Claro, os Estados Unidos têm uma economia muito grande, todas as medidas que adotar vão afetar a América Latina. Embora, é claro, a América Latina também é um grande destino para as exportações americanas. Então, há uma dependência recíproca aí, não de um país isolado da América Latina, mas da América Latina como um todo para o destino das exportações norte-americanas.
Voltou a ameaçar os países do Brics com taxação de 100% se insistirem em criar alternativa ao dólar. Em que ponto está essa iniciativa?
Ele ameaçou os Brics principalmente na questão de desdolarizar as transações. Em primeiro lugar é muito difícil a criação de uma moeda comum, então é algo muito inviável no curto prazo, até no médio prazo, embora possa haver um aumento do uso do renminbi, a moeda chinesa, então aí tem que ver como Trump vai reagir.
Como aliados históricos dos EUA, a exemplo da Arábia Saudita, estão no Brics, cumprir a ameaça não fica mais difícil?
Cada um vai perseguir seu próprio interesse, e o Trump vai fazer com que os países busquem interesses de curto prazo, tentando buscar algum tipo de transação com os Estados Unidos enquanto está o governo Trump.
Qual deve ser a estratégia do Brasil, sócio relevante dos Brics?
Será, seguramente, tentar não confrontar diretamente, enquanto avança com projetos com os Brics. Não será uma tarefa diplomática fácil.
Do ponto de vista das relações de comércio internacional, qual foi o impacto dos primeiros dias de governo Trump?
Os primeiros dias do governo Trump, no ponto de vista de tarifas, esperava ser algo pior. Mas várias outras medidas que toma, como a redução da intervenção do Estado, o fim das iniciativas de diversidade, vão acabar servindo como modelos para outros países. Trump será uma influência nefasta para o resto do mundo.