Parece futuro distópico, mas é presente real e imediato: para avançar na votação do pacote de gastos que o governo estimou em R$ 71 bilhões, mas especialistas em contas públicas calculam em torno de R$ 45 bilhões, o Congresso espera a liberação de emendas de ao menos R$ 11 bilhões.
É um pedágio de quase um quarto do total, que dá "saudade" de outros que já foram de 10% ou 20% do total. Os parlamentares haviam se animado com a liberação do pagamento de emendas decidida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, mas não gostou da exigência de transparência. Onde se viu querer que se saiba para onde vai o dinheiro público, não (sim, contém ironia)?
Desesperado para aprovar o pacote de corte de gastos até o final do ano, o governo tentou, via Advocacia-Geral da União, flexibilizar a decisão de Dino, mas não levou. Agora, está em estudo uma portaria que libere cerca de R$ 3,2 bilhões das "emendas Pix", que são as mais ágeis na liberação. Complementaria os cerca de R$ 7,8 bilhões já destravados pela decisão de Dino.
Esse processo foi abalado pela necessidade de cirurgia e internação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, há dúvida se a manobra será mantida ou não. Só Lula teria a autoridade no governo e o respeito no Congresso para tocar o acordo. Oficialmente, claro, uma coisa é uma coisa, outra é outra.
— O procedimento que Lula passou na madrugada, o fato de estar hospitalizado, não impede que esse ritmo e compromisso de votações tenham continuidade para que possamos concluir o ano com essas regras do marco fiscal consolidadas, contribuindo para o crescimento do país — disse o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Se der certo, tem oposicionista ensaiando discurso, como fez o senador Ciro Nogueira (PP-PI):
— O pacote de corte de gastos eu vou apoiar totalmente, o país está num momento muito difícil, não dá para fazer oposição.
Com emendas liberadas, há capacidade de "pensar no momento difícil do país". Sem, sabe-se lá.