Era só o que faltava. A pantomima da invasão da Guiana pela Venezuela ganhou o temido episódio que pode transformar a ameaça de invasão com finalidade política em algo mais sério. A desaparição de um helicóptero - até onde se sabe, por mau tempo - do país agredido por um plebiscito e um mapa é sinal do risco embutido na farsa acionada por uma velha conhecida do Brasil, a "maldição do petróleo".
Pioneira na exploração das jazidas em torno da Linha do Equador, a partir de 2015, a Guiana cresceu 62% em 2022 e projeta mais 40% de alta no PIB neste ano. Segundo a "maldição do petróleo", conhecida no Brasil da época da descoberta do pré-sal, recursos naturais abundantes concentram riqueza e desestimulam a busca de eficiência, além de provocar cobiças desmedidas.
Será um teste para o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de se tornar um estadista de estatura global. Depois de tentar, sem sucesso, mediar conflitos na Ucrânia e em Israel, Lula agora tem um ensaio de escaramuça no pedaço de mundo sobre o qual o Brasil tem, de fato, alguma incidência.
Antes de prosseguir, uma explicação: por que a Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do mundo, estimadas em 300 bilhões de barris, cobiçaria os parcos 11 bilhões da Guiana? A justificativa passa pela conveniência política de criar um "inimigo comum" em fase de baixíssima popularidade do ditador Nicolás Maduro dentro do país, mas têm algo de substância: o petróleo da Linha do Equador, que a Petrobras também cobiça, é leve, portanto mais fácil de ser transformado em combustíveis, como gasolina e diesel. Portanto, em riqueza, ainda que "maldita".
Enquanto Maduro seguia o roteiro de filme antigo - em Wag the Dog, de 1997, um presidente americano às voltas com um escândalo sexual "inventa" uma guerra contra a Albânia para desviar a atenção -, o Brasil já teve de agir. Na dúvida, enviou blindados para a fronteira. Nova pausa para explicação: a fronteira direta entre Venezuela e Guiana é de floresta fechada, que impede qualquer tentativa de invasão por ali. Portanto, se algo fosse exequível na ameaça de anexação do território do Essequibo -, teria de passar por território brasileiro.
Todo o discurso de Maduro sobre o tema até agora é recheado de bravatas. Ao apresentar o famigerado mapa com 70% do território da Guiana transformado em parte da Venezuela, foi quase explícito em afirmar "por las buenas, todo; por las malas, nada". A tradução mais simples é "quero negociar". Em sua ambição de estadista de estatura global, Lula terá de cometer a proeza de levar Maduro a sério enquanto desarma uma farsa que pode se converter em tragédia até contra a vontade de quem armou o cenário.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo