Se logo depois da publicação do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que justificou a manutenção do juro em 13,75% ao ano a sensação de quem procurou no texto a chave da porta para o corte da Selic foi de frustração, no dia seguinte ainda há perplexidade.
Em vez de porta, o BC mal abriu uma frestinha para o início do ciclo de baixa, o que leva economistas a duvidar que o desbaste comece de fato em agosto.
O que boa parte do mercado leu no comunicado da véspera foi uma espécie de terceirização, caso de André Perfeito, com anos de experiência no mercado:
— Volta a ficar claro que a atual diretoria irá insistir em abrir mão de decidir, terceirizando a decisão para as expectativas de mercado. É diferente do estilo da mesma diretoria que cortou o juro mais que o esperado pelo mercado, subiu mais que o esperado pelo mercado e, agora, está mantendo por mais tempo que o esperado pelo mercado.
Uma das frases duras mantidas no comunicado foi "o Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas". Quando menciona "ancoragem", o BC se refere a seu papel de coordenação de expectativas, ou seja, de fazer com que as projeções de mercado apontem para a mesma direção.
Só que a expectativa predominante era justamente que o Copom sinalizasse de forma clara um corte de juro em agosto - o que não quis fazer. Ou seja, nem as âncoras entenderam, desta vez, a preocupação do BC com a desancoragem. Pior, a instituição contribuiu para confundir expectativas. Aqui, alguns exemplos:
Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú, observou que o comitê "não indicou uma saída iminente da estratégia de manter a taxa de juros no patamar atual (ou seja, um corte em agosto)" e espera que o a flexibilização comece só em setembro, dependendo da evolução da inflação.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, é um dos poucos que diz ter visto a porta abrir, mas vê como grande mensagem que "os passos futuros da política monetária serão dependentes dos dados". Ou seja, pode até ter aberto, mas não necessariamente virá o corte. Se vier, projeta Megale, será de escasso 0,25 ponto percentual.
Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, avalia que "o comunicado buscou conter um excesso de otimismo do mercado com relação à trajetória de queda da Selic", mas mantém a expectativa de que as podas comecem em agosto, com 0,25 ponto percentual, acelerando para 0,5 nas outras reuniões do ano.
Um dos trechos que mais surpreenderam foi o que mantém a tensão sobre o futuro da inflação. O Copom não vê ameaça de aumento de preços com o "crescimento acima do esperado no primeiro trimestre", por refletir "principalmente o forte desempenho do setor agropecuário" - que muitos apontam inclusive como possível pressão de baixa. Mesmo reconhecendo "o arrefecimento recente dos índices de inflação cheia ao consumidor", fez questão de mencionar "elevação da inflação acumulada em doze meses ao longo do segundo semestre".
Embora o IPCA tenda a ficar mais elevado, na medida em que saírem do acumulado os meses de deflação fake de 2022, não é aumento de inflação causado por demanda - mecanismo que juro alto pode combater. Nesse caso, a manutenção da Selic em patamar elevado não terá qualquer efeito diante dessa inevitabilidade. Assim como houve ansiedade para ler o comunicado, haverá enorme interesse na ata que o BC publicará na próxima terça-feira (27). Há precedentes de comunicado duro contrastar cm uma ata mais conectada. Agora, há expectativa de que isso volte a ocorrer.