Além de pressões de curto prazo sobre dólar, bolsa e juro, o aumento de despesas previsto na PEC da Transição pesa nas projeções sobre da dívida pública federal.
A coluna já detalhou por que não é recomendável que um presidente eleito - qualquer que seja - compre briga com o mercado, e agora expõe os motivos pelos quais o personagem quase sempre pouco visível nessa relação - a dívida pública - mete tanto medo.
Mas o que é, afinal, essa tal de dívida pública? É formada sempre quando a despesa é maior do que a receita, ou seja, sempre que há déficit nas contas públicas. Como governos não "criam" dinheiro, precisam buscar - no mercado - os recursos que faltam para fechar esse rombo. Para isso, emitem títulos, ou seja, "vendem" uma promessa de pagamento futuro e se comprometem a pagar uma remuneração a quem compra esses papéis - investidores.
No final de 2021, a dívida pública federal brasileira era de R$ 5,6 trilhões. Sim, trilhões, essa escala difícil de visualizar. Só costuma aparecer na medida de Produto Interno Bruto (PIB) ou no valor de mercado de gigantes como a Apple (hoje, de US$ 2,36 trilhões ou R$ 12,5 trilhões). No ano passado, o total de riquezas produzidas no Brasil foi de R$ 8,7 trilhões. Isso significa que a dívida bruta (sem contar o que o país tem a receber) equivale a R$ 65,1% do PIB. Essa é a forma mais usual de "medir" o peso das pendências: relacioná-las ao PIB.
Ter dívida pública é considerado normal e até saudável, até certo limite. É como em casa: se os boletos do mês "cabem" no salário, no total podem somar mais do que a renda mensal que continuam sendo sustentáveis. O problema ocorre quando começam a se acumular. Nesse caso, é necessário destinar um valor cada vez maior para quitar as pendências e sobra cada vez menos para os gastos regulares.
Em 2021, venceram R$ 1,5 trilhão do total de R$ 5,6 trilhões. Mas só foi possível pagar R$ 270 bilhões com recursos do orçamento. Foi preciso renegociar - "rolar", no jargão financeiro - R$ 1,23 bilhão. Isso significa trocar os títulos em momento de juro mais alto, o que voltou a ocorrer neste ano. Só para pagar aos investidores que aceitaram comprar o papéis do governo federal brasileiro - em troca de uma remuneração, como já mencionado - foi necessário gastar R$ 449 bilhões em 2021.
É um absurdo? Sim. Ah, então basta parar de pagar a dívida que sobra dinheiro para o que é necessário? Não é bem assim. Todo brasileiro que aplica no Tesouro Direto ou em fundos de investimentos que incluam títulos públicos é credor do governo federal. Deixar de pagar a dívida significa não apenas quebrar a confiança dos financiadores do rombo, mas tirar fonte de renda de pessoas que sobrevivem ou complementam a renda com essas aplicações.
O economista André Perfeito observa que, nos próximos sete meses, vencem mais cerca de R$ 600 bilhões. Esse valor terá de ser rolado e, dada a elevação dos juros nos últimos dias, haverá impacto relevante. Há um mês, detalha, o DI para janeiro de 2025 estava em 11,7%, agora foi a 13,76%. Sem a relativização da responsabilidade fiscal, poderia ser diferente. A alta de juros futuros força o Banco Central a olhar para esse indicador e, eventualmente, elevar também a Selic. Ou pelo menos adiar cortes previstos para meados de 2023.
É por isso que gastos acima das receitas devem se restringir, de fato, ao essencial, como dar assistência à população mais pobre, que depende desses recursos para sobreviver. A coluna citou apenas dados da dívida federal. Mas há outro indicador importante: a dívida bruta do governo geral (DBGG), que inclui as três esferas da administração pública, com Estados e municípios. Nesse caso, a proporção dívida/PIB deve fechar este ano em 78,3%.