Mal foi proclamado o resultado da eleição, começou o debate: como equacionar um orçamento cheio de potenciais "bombas fiscais" para o próximo ano. Nesta quarta-feira (16), depois de certo bate-cabeça na equipe de transição, o martelo foi batido: o principal programa social brasileiro, que voltará a se chamar Bolsa Família, ficará ad eternum fora do teto com todo seu custo de R$ 175 bilhões, por meio de uma proposta de emenda à Constituição.
Assim como a PEC eleitoreira de Jair Bolsonaro foi apelidada por seu próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, de Kamikaze, essa poderia ter outro apelido: PEC da Esperteza.
A "esperteza" foi tirar do teto a parcela do pagamento do ainda chamado Auxílio Brasil que já estava assegurada no orçamento, de R$ 105 bilhões. Seria suficiente apenas para um benefício mensal de R$ 405. Então, fosse qual fosse o eleito, haveria necessidade de um extrateto de R$ 52 bilhões, para "inteirar" os R$ 600 com que os dois candidatos se comprometeram. No mínimo.
Seria fácil convencer o mercado financeiro dessa excepcionalidade, mais os R$ 150 por criança de até seis anos e ainda a recomposição de programas essenciais, como a Farmácia Popular e o da merenda escolar. Mas aí veio a esperteza: a equipe de transição decidiu incluir na "licença para gastar" os R$ 105 bilhões já acomodados sob o teto. Assim, além de garantir os R$ 175 bilhões para o Bolsa Família, ainda "libera" R$ 105 bilhões para outros gastos.
E apareceram dois jilós no topo da torta PEC da Transição. Um é o prazo indeterminado para o "waiver" fiscal. Isso significa que, em tese, o maior programa social do país ficará como uma despesa a descoberto para sempre. Para um país em que a trajetória da dívida exige uma inflexão para baixo, será um ímã para o alto. Outro é um adicional de até R$ 22 bilhões fora do teto, que seria destinado a investimentos em obras, com recursos de receitas extraordinárias, como obtidas via concessões públicas. Isso só vai ocorrer, claro, se houver receita extra.
— Trouxemos uma proposta que não tem prazo. Cabe ao Congresso discutir — disse o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin.
O terceiro ponto até concorre a ser uma cereja, porque faz sentido: excluir do teto de gastos doações feitas a universidades e as destinadas à preservação ambiental. Como argumentou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, é uma medida sem impacto fiscal. É verdade.
Existe a expectativa - ou um certo wishful thinking, que na verdade é quase uma torcida - para que o texto encaminhado ao Congresso contenha as famosas "gordurinhas" que serão lipoaspiradas por deputados e senadores. Mas é preciso ter muita fé na responsabilidade do legislativo que criou o orçamento secreto para apostar nessa hipótese.
De onde vêm os R$ 175 bilhões
Parcela já assegurada para pagar R$ 405 | R$ 105 bilhões
Parcela para levar o benefício a R$ 600 | R$ 52 bilhões
Adicional de R$ 150 por criança de até seis anos | R$ 18 bilhões