Duas décadas depois, na véspera do último debate do segundo turno e depois de três dias de bolsa em queda e dólar em alta - o humor havia virado nesta quinta-feira (27) antes que o documento fosse conhecido - Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou sua nova versão da Carta ao Povo Brasileiro de 2002.
Embora confirme por escrito o compromisso com a responsabilidade fiscal, a carta avança pouco no detalhamento tão cobrado no mercado e esperado por economistas para análise mais aprofundada. O documento foi divulgado perto do fechamento do mercado financeiro, que já ensaiava recuperação. A bolsa subiu 1,66% e o dólar recuou 1,37%, para R$ 5,307.
O documento de nove páginas e 13 pontos - sete dos quais na área econômica - é chamado, desta vez, de "Carta para o Brasil do amanhã". Faz acenos ao centro sem abrir mão de propostas históricas do PT, como a de estimular o desenvolvimento por meio de bancos públicos e da Petrobras. Veja os principais pontos da economia:
1. Desenvolvimento econômico
Repete a intenção de reunir os 27 governadores para planejar a retomada de obras paradas e definir prioridades. Os recursos viriam de "financiamento e a cooperação – nacional e internacional – para o investimento público e privado". E traz o trecho que vai provocar inquietação no mercado: "os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo". Até agora, não estava escrito dessa forma.
2. Trabalho e empreendedorismo
Também insiste em "amplo debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores)" para elaborar uma "Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos, assegurando a competitividade e os investimentos das empresas". Também reforça a criação do Empreende Brasil, com crédito a juros baixos para micro, pequenas e médias empresas. Uma frase é novidade, tanto em relação à história do partido quanto com o que havia sido sinalizado até agora: "Nosso Brasil será o país da inovação".
3. Programas sociais
O pacote inclui salário mínimo forte, com "crescimento todo ano acima da inflação", o Novo Bolsa Família, com R$ 600 permanentes mais R$ 150 para cada criança de até 6 anos, o Desenrola Brasil, de renegociação para inadimplentes, isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, com reforma tributária e igualdade salarial para homens e mulheres que exerçam a mesma função (não fica claro se será uma lei para o setor privado ou uma política para o setor público). A promessa de isenção é considerada arriscada por especialistas em contas públicas, porque há grande número de contribuintes concentrados nessa faixa de renda. E é a mesma promessa feita por Jair Bolsonaro, em 2018, e nunca cumprida.
4. Transição energética e sustentabilidade
Traz uma série de intenções e poucos detalhes. Propõe "iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, para uma agricultura familiar mais forte, para uma indústria mais verde". Assume compromisso de "desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica". Promete apoio à "grande agricultura de baixo carbono e à agricultura familiar com crédito, garantias e assistência".
5. Habitação e infraestrutura
Acena com a volta do Minha Casa Minha Vida, sem mencionar qualquer meta de número de unidades. Fala em universalizar acesso à luz e à água com programas como Luz para Todos - um encargo pesado na conta de luz - Cisternas. Diz que vai estruturar um Novo PAC "para reativar a construção civil e a engenharia pesada" para setores como habitação, transporte e mobilidade urbana, energia, água e saneamento.
6. Reindustrialização
É uma das maiores novidades em relação a 2002, por motivos óbvios, mas também ao discurso até agora. Sinaliza uma "estratégia nacional para avançar em direção à economia do conhecimento", com estímulo a indústrias de software, defesa, telecomunicações e outros setores de novas tecnologias. Aponta "vantagens competitivas que devem ser ativadas" nos complexos de saúde, agronegócio e petróleo e gás (outro arrepio no mercado). Afirma que vai "iniciar a transição digital e trazer a indústria brasileira para o século 21", o que é positivo porque havia temor sobre uma estratégia focada no passado. Promete "atenção especial" para micro, pequenas e médias empresas e startups.
7. Política externa
Renova a aposta na integração regional, no Mercosul e outras iniciativas latino-americanas, no diálogo com os Brics, países da África, União Europeia e Estados Unidos. A "novidade" é a inclusão do Hemisfério Norte. A pouca atenção dada nos governos de Lula exasperava a diplomacia nacional.
8. Agro
Diretriz é "compatibilizar a produção com a preservação de recursos naturais" e em investimento forte no financiamento ao agronegócio, aos pequenos e médios produtores e à agricultura familiar e aos assentamentos. Prevê um Plano de Recuperação de Pastagens Degradadas, que somam cerca de 30 milhões de hectares (é um dos poucos dados na carta). Promete reduzir juros no Plano Safra, no Pronamp e no Pronaf "para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais". Também sinaliza "reconstruir a Conab e estabelecer uma política de preços mínimos para estabilizar os preços dos alimentos e garantir comida na mesa das famílias", além de "fortalecer o cooperativismo e a assistência técnica aos pequenos e médios produtores".