Na semana passada, 5o integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) confirmaram um megacorte na produção de petróleo de dois milhões de barris por dia a partir de novembro. O anúncio impactou todo o mercado global de energias e trouxe consequências para países como Estados Unidos, Alemanha e também o Brasil. Para ampliar o entendimento dos impactos do sobe-e-desce da cotação, a coluna conversou com o economista Rivaldo Moreira Neto, CEO da Gas Energy, consultoria especializada em estratégias e negociações no mercado internacional de energia, que tem sede em Porto Alegre.
Quais foram os primeiros impactos do corte de produção da Opep+?
É muito alto para Europa e Estados Unidos, mais dependentes de importação, principalmente às vésperas do inverno no Hemisfério Norte. O preço da gasolina, que já está alto, deverá subir. Em razão da guerra na Europa e da limitação de importação de gás natural, já havia forte pressão sobre o preço do gás, que agora deverá aumentar também.
Por que o mercado vê a decisão como derrota dos EUA e da Europa e vitória da Rússia?
Foi uma indicação muito clara de que os produtores de petróleo representados pela Opep+ se alinharam em uma posição favorável à Rússia, que está com exportação limitada desde o início da guerra. Então, é uma derrota para americanos e aos europeus, que estão entrando no inverno e têm grande necessidade de importação dos combustíveis. A subida de preço vai aumentar ainda mais a pressão sobre esses governos, que estão muito expostos às necessidades de importação para os próximos meses e ficam reféns do mercado. Para os americanos também é um cenário complicado, pois o governo Joe Biden limitou a expansão da sua produção interna, e as eleições de meio de mandato ocorrem em novembro.
Quais os principais impactos da decisão para o Brasil?
Somos grandes exportadores de óleo bruto, mas também grandes importadores de diesel. Então por um lado a gente tem um benefício, pela exportação, com aumento de receita no país, mas por outro lado há pressão ainda maior nos preços dos combustíveis. A exportação não compensa o problema interno com o aumento do custo de produtos que a gente importa, pois acaba elevando o preço dos derivados. O efeito líquido é prejudicial ao país, principalmente para a população em geral, que sente o preço da gasolina e do frete de distribuição.
O preço dos combustíveis no Brasil tende a subir?
Já existe pressão do governo sobre a Petrobras para segurar preços, porque a tendência realmente é de o petróleo subir no mercado internacional. Até 30 de outubro é muito tempo para segurar os preços dos combustíveis no mercado brasileiro. A pressão externa tende a escalar. Uma esperança é um dólar mais barato, o que poderia ajudar na combinação do preço do petróleo. Se o câmbio aliviar, pode compensar de alguma forma a subida do preço internacional e talvez permitir que a Petrobras segure os preços dos combustíveis por mais tempo. Mas sem câmbio favorável será muito difícil conseguir segurar esse preço. Não podemos esquecer que existem também refinarias privadas no pais, que não têm razão para segurar preço, então a pressão dessas empresas também será grande, porque se a Petrobras segurar o preço prejudica esses agentes privados.
Em relação ao gás natural, com a escalada do conflito com a Rússia, como os europeus poderão suprir sua demanda nos próximos meses?
Os países europeus já vinham tentando estocar o máximo de gás possível e vão continuar explorando tudo que puderem para tentar se abastecer no inverno. Esses países, principalmente a Alemanha, fizeram um planejamento energético muito ruim. Antes, estavam expostos aos russos. Agora, aos americanos, que viraram seus principais fornecedores. Como não há estatal dos Estados Unidos fornecendo gás, o valor é o estabelecido pela régua do mercado. O norte da África, a Argélia, é uma possibilidade para que os europeus consigam um pouco mais de gás. Mas os americanos podem aumentar mais e em maior velocidade sua produção, garantindo fornecimento em maior quantidade. Há negociações da Europa também com Austrália e Catar, outros grandes produtores de gás no mundo, mas muito conectados à Ásia. Nesse aspecto, os EUA vêm sendo os grandes vencedores do conflito, pois estão vendendo gás a preço mais alto do que faziam historicamente, e em contratos de longo prazo.
Como o mercado encarou os vazamentos recentes nos gasodutos do sistema Nord Stream?
Os gasodutos estavam já fechados, então do ponto de vista comercial os vazamentos não tiveram impacto. Mas o inverno está chegando no Hemisfério Norte e ninguém sabe quão rigoroso será, e está claro que a Europa não terá todo o gás que desejava para o período. Se o inverno for mais rigoroso que a média, haverá problemas. Então, esses gasodutos poderiam ser usados como último recurso, até com poder de interromper ou suavizar os efeitos da guerra, em situação-limite. Com estoques insuficientes para garantir o abastecimento, os gasodutos poderiam ser usados para negociar uma saída, ainda que fosse uma derrota política para a Europa. Depois do incidente, essa porta parece ter sido fechada.
* Colaborou Mathias Boni