A coluna já observou que desmontar o orçamento secreto seria "missão impossível" para 2023 antes de conhecer o novo perfil do Congresso e das mais recentes declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Depois disso, a tarefa será ainda mais desafiadora, mas não menos imprescindível.
Em entrevista à Globonews na segunda-feira (4), Lira carimbou a comparação que críticos das emendas de relator, as RP9, fazem desde que uma série de reportagens do jornal O Estado de S. Paulo desnudou o novo mecanismo:
— É orçamento feito pelos parlamentares ou voltar para a época do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional. Eu prefiro o orçamento municipalista.
Na visão de Lira"emendas de relator são lícitas, constitucionais e democráticas". E o "municipalista" vem de sua interpretação de que o parlamentar teria maior contato com as demandas das prefeituras. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender a distribuição de recursos, por não seguir as regras constitucionais da impessoalidade, transparência e possibilidade de prestação de contas, ou seja, mostrar como e onde o dinheiro foi aplicado, o que também foi apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
E especialistas em políticas públicas apontam outro problema: a falta de estratégia na definição dos focos de investimento - supondo que o dinheiro chegue onde deve, o que não é uma certeza. A pulverização acaba não rendendo a geração de emprego e renda que seria obtida caso fizesse parte de um projeto mais abrangente.
É por isso que, mesmo previsto no orçamento oficial da União, o mecanismo é chamado de "secreto". O relator da peça orçamentária - na prática, Lira é o executor - define qual parlamentar terá direito às verbas, sem qualquer critério técnico. E mais: não se sabe quanto cada um levou e como o dinheiro foi empregado. Nunca é demais lembrar, não existe "dinheiro público": os recursos vêm dos impostos recolhidos pelos contribuintes, ou seja, nós. Na definição de Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, que tenta dar a transparência devida aos gastos públicos, é um "jabá (sinônimo de propina) orçamentário".
Quando custa o orçamento secreto
O valor previsto para as emendas de relator (RP) no orçamento oficial da União para 2023 é de R$ 19,4 bilhões, 8,7% acima do aprovado neste ano, que já foi escandaloso. Ainda há destinação de R$ 11,7 bilhões para emendas individuais e R$ 7,7 bilhões para as de bancada, um total de R$ 38,8 bilhões . Só a quantia das RP9 representa cerca de 20%, ou um quinto, de todo o valor previsto para investimentos do governo federal, ao redor de R$ 100 bilhões. O total das emendas parlamentares chega a quase 40%.
O que foi o mensalão
O mecanismo foi descoberto no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva em 2005. Foi batizado pelo então deputado federal Roberto Jefferson, hoje preso, em entrevista que expôs a "mesada" paga a deputados - ao redor de R$ 30 mil cada - para votar a favor de projetos de interesse do governo. Apontado como mentor, o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, também cumpriu pena de prisão. Os valores descobertos foram de R$ 127 milhões no chamado "valerioduto", com origem em "contribuições clandestinas" de empresários ao PT, em troca de atendimento de seus interesses.