Definida a eleição para a Câmara e o Senado, será o momento de decidir o futuro dos brasileiros que tiveram no auxílio emergencial o suporte de sobrevivência durante a pandemia, ainda que com distorções e fraudes.
Marcelo Neri, diretor do FGV Social, um dos mais respeitados especialistas em programas desse tipo, vê risco de instabilidade embutido na decisão:
– O Brasil está entre o abismo social e o abismo fiscal, será preciso avançar com cuidado pelo meio.
Na avaliação de Neri, o correto seria optar por um "Bolsa Família 2.0", mas teme a pressão de "pessoas que querem algo mais robusto":
– Vai ter essa discussão para achar formas de financiamento para o auxílio emergencial, o que não é um exercício simples, como se viu no ano passado.
No debate, Neri costuma adotar a posição de conciliar a necessidade de um programa de amparo aos mais pobres durante a pandemia com atenção à delicada situação fiscal do Brasil. Por isso, viu com ressalvas a aprovação do auxílio de R$ 600, que considerava "incompatível com a situação fiscal". Depois de um déficit de R$ 743 bilhões em 2020, ficou ainda mais difícil.
– O Brasil usou bastantes recursos para os mais pobres, mas muito de uma coisa boa não é necessariamente uma coisa muito boa, porque não se consegue manter ao logo do tempo. Precisamos partir para algo sustentável. No ano passado, vimos o que ocorreu. O céu não foi o limite, e 2020 não terminou bem, e este não começou bem – pondera.
Sem qualquer apoio, adverte o especialista, a proporção de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza da FGV Social, de R$ 246 por pessoa ao mês, pode explodir. Antes da pandemia, 10,97% viviam nessa situação. Em setembro de 2020, graças ao auxílio emergencial, essa proporção caiu para 4,52%. Com a redução do benefício à metade, voltou a subir para 8,52%. Para 2021, sem renovação do programa especial, mas "devolvendo" o Bolsa Família, saltaria para 12,83%, acima do que estava em 2019, antes da pandemia.
– O que defendo é um Bolsa Família 2.0, com com caráter emergencial acoplado. Já estão previstos no orçamento deste ano R$ 36 bilhões, o que significa 15% de reajuste. Com esses recursos, é possível alcançar um número maior, mas não muito, até porque o programa acumula perda de 19% desde 2014. É recomendável usar a estrutura do Bolsa Família para dar mais agilidade na ajuda às pessoas nessa situação. E deve haver um pacote de apoio financeiro, como crédito para quem não é beneficiado, mas vai ser difícil – recomenda.
Neri pondera que no debate entre especialistas na área, algumas pessoas viram no auxílio emergencial a possível semente de uma futura renda mínima universal, mas avalia que isso "não foi construtivo":
– Não compartilho dessa visão. Um país com problema fiscal sério precisa focalizar sua ação social e respeitar a dificuldade nas contas públicas. Não pode cair na armadilha de generosidade. Precisa ser eficiente dos dois lados. É preciso um projeto para combater a pobreza no país compatível com a situação do Brasil em 2021.