Em pleno feriado, a Ânima Educação publicou fato relevante em que comunica a assinatura de contrato de compra de "todos os ativos brasileiros" do Grupo Laureate.
Na sexta-feira (30), os dois grupos de ensino envolvidos na disputa haviam informado acordo para permitir o fechamento do negócio, com a exceção de duas universidades gaúchas – UniRitter e Fadergs – e uma carioca.
No comunicado desta segunda-feira (2), a Ânima não menciona o acordo fechado na sexta-feira, mas em material complementar enviado a investidores, não assinala o Rio Grande do Sul como um dos mercados em que entra. Um dos pontos do acerto prevê que, depois de comprar todas as operações da Laureate no Brasil, a Ânima venda à Ser Educacional a UniRitter e a Fadergs, além do do Centro Universitário Hermínio da Silveira, no Rio de Janeiro. Esse segundo movimento tem prazo até 14 de janeiro para ser confirmado. No fato relevante da Ânima publicado no dia 30, essa cláusula está descrita assim:
"A Ânima Educação concede à Ser uma opção de compra, por valor fixo pré-acordado, que poderá, a exclusivo critério da Ser, ser exercida no prazo de 60 dias contados a partir de 29/10/2020, prorrogáveis por solicitação de qualquer das Partes por no máximo 15 dias, de 100% das quotas das sociedades mantenedoras das Instituições Centro Universitário Ritter dos Reis (“UniRitter”), Centro Universitário FADERGS (“FADERGS”) e Centro Universitário Hermínio da Silveira (“IBMR”). A opção de compra poderá ser exercida de forma global ou isolada, em relação às sociedades;"
No complexo acordo, além dessas três unidades educacionais, a Ser Educacional deve ficar com mais duas instituições de ensino superior da Laureate, a Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) e Centro Universitário dos Guararapes (Unifg). Isso substituiria o pagamento de multa de R$ 180 milhões devida pela Laureate à Ser Educacional por ter rompido o contrato assinado em 13 de setembro, que já previa essa penalidade. A Ânima fará um webinar com investidores na terça-feira (3) para explicar o negócio.
No documento divulgado nesta terça-feira, a Ânima afirma que "ao longo dos últimos anos, acompanhamos de perto a trajetória da Rede Laureate no Brasil. Uma a uma, o grupo internacional conseguiu reunir instituições de ensino com marcas tradicionais que são referências de qualidade, fundadas há décadas, por famílias que construíram um legado de respeito e alta reputação".
Descreve as operações adquiridas (confira o perfil abaixo) e afirma que "as instituições do grupo são referências em seus mercados de atuação e se destacam pela qualidade de ensino, infraestrutura e pelo completo portfólio de cursos. A saúde é a área de conhecimento de maior relevância, concentrando mais de 30% dos estudantes".
PARA ENTENDER
É essencial compreender que a disputa ocorre entre gigantes do ensino privado, com ações negociadas na bolsa de valores. Por isso, toda a comunicação do processo é vigiada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina essas companhias. Os envolvidos evitam fazer comentários além dos fatos relevantes que são obrigados a publicar.
OS ENVOLVIDOS NA DISPUTA
Quem vendeu
A Laureate no Brasil tem cerca de 50 campi em 13 cidades de sete Estados e mais de 500 centros de ensino à distância. No primeiro trimestre deste ano, tinha 267 mil alunos, 82% dos quais na modalidade presencial e com mais de 800 em cursos de medicina. No Rio Grande do Sul, é dona da UniRitter e da Fadergs.
Quem vai comprar
1. Ser Educacional: vai ficar com UniRitter e Fadergs, além de uma instituição carioca. Foi criada em 1994, como curso preparatório a concursos, tem cerca de 50 instituições concentradas no Norte e no Nordeste, das quais a mais conhecida é a Uninassau. Tem 184,8 mil alunos e receita de R$ 1,75 bilhão. É controlada por Janguiê Diniz, ex-engraxate que foi procurador do Trabalho (leia aqui entrevista com o empresário).
2. Ânima: vai ficar com as demais instituições de ensino da Laureate no Brasil. Tem cerca de 115 mil estudantes matriculados em cursos presenciais em campi em Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Bahia e Sergipe. Uma de suas escolas mais conhecidas é a São Judas Tadeu, de São Paulo, sem relação com a instituição de ensino de Porto Alegre. É dona da HSM, de educação e eventos corporativos e tem parceria com a Singularity University, do Vale do Silício. Tem três sócios, entre os quais Daniel Castanho, líder do movimento #nãodemita (leia aqui entrevista com o empresário)
A LINHA DO TEMPO
Meados de julho: o grupo Ser Educacional publica fato relevante em que informa sobre a disposição de compra da Laureate no Brasil. Fontes do mercado apontam interesse também da Cruzeiro do Sul, que não tem ações negociadas na bolsa.
13 de setembro: em comunicado conjunto, em pleno domingo, Laureate e Ser Educacional informam ter fechado acordo de venda por R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1,7 bilhão seriam pagos em dinheiro.
14 de setembro: como o acordo anunciado na véspera tem cláusula que permite à vendedora avaliar ofertas maiores, a Yduqs (ex-Estácio) anuncia que tem interesse em fazer uma "proposta melhor".
7 de outubro: uma semana antes do prazo final, dois grupos além da Ser Educacional apresentam propostas, a Yduqs e a Ânima. Como a Laureate tem forte presença em São Paulo, ambas aceitam se desfazer de parte dos negócios para evitar restrições por concentração de mercado.
21 de outubro: a Laureate afirma que a melhor oferta é a da Ânima, mas a Ser Educacional entra na Justiça e consegue uma liminar contra o fechamento do negócio com a concorrente.
27 de outubro: a Ânima comunica que a Laureate aceitou sua proposta de R$ 4,4 bilhões, dos quais R$ 3,8 bilhões em dinheiro, R$ 623 milhões em dívidas que vai assumir, e mais potenciais R$ 203 milhões relativos a vagas em cursos de Medicina pendentes de aprovação.
28 de outubro: a Ser Educacional informa que a liminar que havia obtido foi revogada, mas "a questão relativa ao válido exercício do direito de go-shop será discutida por meio de arbitragem" e que "se mantém certa de seus direitos e tomará todas as medidas cabíveis para garantir o efetivo cumprimento" do acordo.
30 de outubro: a Ser Educacional anuncia o fim de disputas jurídicas e arbitrais, e que terá direito de compra das duas universidades gaúchas, além de uma instituição carioca.
2 de novembro: a Ânima Educação comunica a assinatura do contrato de compra dos negócios da Laureate no Brasil.