Primeiro diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylbersztajn sempre criticou o excesso de otimismo e as decisões tomadas logo depois da descoberta da província do pré-sal, em 2007, no segundo governo Lula. Hoje, também adverte que declarações bombásticas do presidente Jair Bolsonaro e de seus familiares "atrapalham" decisões de investidores estrangeiros. Avalia que houve erro ao não oferecer áreas na época, mas considera a situação atual "totalmente inesperada pelo lado positivo", em termos de custos e produtividade. Embora não seja um passaporte para o futuro, a arrecadação pública com o pré-sal pode ajudar a resolver problemas do Brasil.
A desistência de duas empresas do megaleilão é do jogo ou dá algum sinal?
É do jogo, cada empresa tem uma estratégia comercial, global, não tem necessariamente relação com o país. Petróleo é commodity (matéria-prima básica, sem diferenciação por fornecedor), depende como a empresa se posiciona. Não é sintoma de desinteresse.
Declarações do presidente e de familiares atrapalham ou são ignoradas por investidores?
Atrapalham. Hoje, a estabilidade institucional e a democracia são critérios dos filtros da tomada de decisão para investir. A declaração de Eduardo Bolsonaro (sobre um novo AI-5), é claro que atrapalha. No mínimo, reduz a margem. Uma coisa é trafegar por uma estrada limpa, outra é ver buracos à frente. O investidor avança, mas em outra velocidade, vai com mais cuidado.
É exagero descrever o pré-sal como área de maior interesse do mundo?
Não tem exagero, ao contrário, o pré-sal surpreendeu. Foi algo que não se imaginava em produtividade. O custo de retirada do barril está estimado em US$ 6, no início a estimativa era de US$ 40. Não se imaginava a produtividade dos campos, que chega a
50 mil barris por dia. É uma situação totalmente inesperada pelo lado positivo.
O próprio governo do PT, que chamou o pré-sal de "passaporte para o futuro", destruiu o passaporte.
Será o "passaporte para o futuro", como se anunciava há uma década?
Poderia ter sido, se não tivessem feito a grande besteira de retirar 41 áreas de pré-sal do leilão previsto para 2007. Ainda não seria o passaporte, mas sim um dos grandes vetores de desenvolvimento do Brasil, como vai ser agora se este leilão correr como se espera. Depois, ficamos anos sem ofertas (de áreas para exploração e produção). Entrou o modelo de partilha (regra do leilão de quarta-feira, em que as empresas dividem os ganhos da produção com o governo), que é uma bobagem sem tamanho. Ninguém comprovou a prevalência, em termos de vantagem, da partilha em relação à concessão. Toda essa confusão tirou uma oportunidade única do momento, antes da crise americana, da exploração do shale oil (descoberta que deu autonomia aos EUA em petróleo), do petróleo a US$ 100 por barril. Naquele ano, havia uma liquidez enorme no mundo. A ANP estima que perdemos de R$ 600 bilhões a R$ 1 trilhão em investimentos no Brasil com a retirada das áreas em 2o07. Se considerar impostos, é um valor estrondoso. O próprio governo do PT, que chamou o pré-sal de "passaporte para o futuro", destruiu o passaporte.
Faz sentido a Petrobras agora querer mudar o modelo de partilha?
Não deveria ter existido, mas não cabe à Petrobras rever, é um tema do governo e do Congresso. Para se ter uma ideia, a lei do petróleo, que criou a ANP, foi discutida no Congresso durante dois anos. A da partilha não teve discussão. Em nenhum momento foi demonstrada vantagem para o país em relação ao regime anterior, de concessão. Ao contrário, criou uma estatal (PPSA, que administra o óleo repassado pelas empresas). Foi um desserviço sem tamanho ao país. Já passou do tempo de rever. Até há pouco, a Petrobras era obrigada a investir 30%, isso já mudou. Tem projeto no Congresso que afrouxa mais. Vai ser uma morte lente. Tem resistências. Ser nacionalista é pensar no que é melhor para a sociedade e não para uma empresa.
Nenhuma democracia tem modelo de partilha, usado só em países do Oriente Médio, do norte da África, na Venezuela. São governos autocráticos, ditaduras.
Perdeu sentido a justificativa da época, de manter o óleo com a União para reduzir resistências?
Isso é uma besteira sem tamanho, o que se faz com óleo, além de vender? No regime de concessão, o risco e os custos são todos do concessionário, e se houver produção, arrecada-se 10% do valor bruto, mais a participação especial (outro tipo de pagamento da petroleira ao governo, além dos royalties). Com impostos, passa de 60% e não arrisca em nada. No caso da partilha, só recebe lá na frente, na época da produção e em óleo. Nenhuma democracia tem modelo de partilha, usado apenas em países do Oriente Médio, do norte da África, na Venezuela. São governos autocráticos, ditaduras. Nenhum país democrático, como Reino Unido, Noruega, Canadá, Estados Unidos, tem partilha. O governo sabe muito bem arrecadar e é o que tem de fazer. Agora querer óleo, comprar, vender, é um mercado obscuro, é opaco, tem pouca transparência. Não deveria ter sido criada uma estatal para fazer isso.
O que é razoável esperar do pré-sal para ajudar o país e os Estados a saírem do buraco?
O que faz sentido é discutir, daqui para frente, como se reparte. Não muda a atratividade do país, porque, para as empresas, tanto faz. O que muda é que cria insegurança enorme sobre como as coisas funcionam. A gestão da distribuição (entre União, Estados e municípios) foi péssima, foi outro malefício da partilha. Quando foi adotada, o Congresso não se preocupou em discutir o conceito, todos focaram só na repartição do dinheiro, claro que com interesses legítimos de puxar dinheiro para seus Estados.
Na PEC do pacto federativo, estão previstos R$ 400 bilhões em 35 anos, isso é razoável?
São números grandes, impressionantes, mas não sabemos se é muito ou pouco. Esse valor equivale a 10% do PIB, dividido em 35 anos. Está longe de resolver todos os problemas. Não tem solução milagrosa. Tem de ir tratando de coisas que podem ajudar, vai aumentando o bolo, não tem outro jeito.
Deveria haver investimento em fontes infinitas de energia, renováveis, que poluem menos. Temos a oportunidade de usar parte desse dinheiro para transição em qualidade energética.
Qual seria a melhor destinação desses recursos?
O petróleo gera riqueza finita e poluente. Portanto, deveria haver investimento em fontes infinitas de energia, renováveis, que poluem menos. Temos a oportunidade de usar parte desse dinheiro para transição em qualidade energética. A única energia 100% limpa é a que não se usa. Por isso, outro investimento importante é na eficiência energética, em consumir menos energia. Se houver visão para isso, parte dos recursos deve ser usada pra reduzir impacto ambiental.
Nesse momento, faria sentido o Brasil participar da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), como o estuda o presidente Bolsonaro?
Seria totalmente sem sentido. Qual é a vantagem de fazer parte da Opep? O Equador saiu, o México nunca fez parte. A Opep teve seu período nos anos 1970, em meados dos 1980 veio a derrocada. O mundo começou a produzir em outras áreas, porque o preço alto defendido pela Opep viabilizou o petróleo americano, a exploração no Mar do Norte (entre Reino Unido e Noruega). O próprio petróleo brasileiro foi viabilizado graças aos choques do petróleo. A Opep teve um poder enorme, dizia-se que se o petróleo chegasse a US$ 100 dólares o mundo ia parar. Não parou, porque houve investimento em tecnologia, em outras fontes de energia.