É de organizar "bagunça e confusão" que Maurício Benvenutti gosta. Gaúcho de Vacaria, o empresário de 35 anos moldou sua carreira na XP Investimentos. Na empresa, foi um dos responsáveis pela transformação do escritório de Porto Alegre, em 2007, em empresa nacional que chegou a ter 500 unidades – hoje são mais de 600.
Depois de quase oito anos, viu que havia chegado o momento de mudar. No começo de 2015, fez as malas e rumou para o centro da inovação mundial: o Vale do Silício. Influenciado por amigos, resolveu transcrever em livro parte da experiência nos Estados Unidos. No próximo dia 3, Benvenutti retorna a Porto Alegre para lançamento de Incansáveis e bate-papo sobre empreendedorismo na PUCRS.
Leia mais
"Ambiente econômico brasileiro não favorece a inovação", diz Felizzola
Pesquisa traça perfil de empresas da economia criativa em Porto Alegre
Porto Alegre garante lugar no mapa mundial da inovação neste ano
Confira a entrevista completa:
Quais foram suas primeiras experiências com empreendedorismo?
Sou natural de Vacaria e estudei Sistemas de Informação na PUCRS. Durante a faculdade, fui estagiário da agência de comunicação digital Cadastra por quase um ano. Também fiz estágio na Service IT Solutions, uma das maiores parceiras da IBM na América Latina de software. Comecei a trilhar carreira executiva na empresa.
Após cinco anos, conheci os fundadores da XP Investimentos. A empresa ainda era pequena em 2007, quando me convidaram. Ir para a XP foi uma decisão difícil. Minha família é bem conservadora, imagine contar que eu estava saindo da Service para uma empresa desconhecida na época. Foram quase oito anos de empreendedorismo na veia na XP. Transformamos um pequeno escritório de Porto Alegre na maior corretora do Brasil e em uma das maiores instituições financeiras da América Latina.
Na XP, fui responsável pela área de escritórios, cheguei a gerenciar 500 no país. A empresa cresceu com base em um modelo similar ao de franquias. Trouxemos para o Brasil o conceito de assessor financeiro, uma profissão que não existia. Fomos muitas vezes para os Estados Unidos para buscar informações sobre o cargo. Sou uma pessoa que gosta muito da confusão, de ambientes desorganizados. Meu maior valor é pegar ambientes desorganizados e tentar arrumá-los. É transformar a bagunça em algo que tenha início, meio e fim. Mudamos a XP Investimentos, que era pequena e virou um negócio bem estruturado. Quando a empresa chegou a esse patamar, vi que havia cumprido meu papel. Vendi minhas ações e decidi ir para o Vale do Silício, nos Estados Unidos, no início de 2015.
Por que o Vale do Silício?
Tecnologia sempre esteve presente na minha vida. Ficava intrigado porque olhava para as últimas cinco décadas e praticamente tudo dessa área que impactava na minha rotina havia surgido no Vale do Silício, uma região pequena. Fui para lá fazer uma pós-graduação, já concluída. Estou há quase dois anos em San Francisco. Pelo menos nos próximos anos, não pretendo voltar ao Brasil.
Quais são suas atividades hoje?
Sou sócio da StartSe, a maior plataforma de startups do país. Reúne cerca de 13 mil empreendedores, 4 mil startups, 3 mil investidores e 2,5 mil mentores cadastrados. Une o ecossistema de empreendedorismo. No Brasil, tempos atrás, existia uma demanda muito forte por investimentos no mercado financeiro, porque a bolsa não parava de subir. Mas muitas pessoas não sabiam o que eram ações. A XP criou cursos, palestras e workshops sobre investimentos na bolsa.
Hoje o mercado de startups está muito parecido com o de ações há 10 anos. Existe interesse crescente por startups, mas há desconhecimento muito grande. Então, o StartSe busca mostrar o que é uma startup. Também educamos os investidores sobre riscos e benefícios. É uma grande plataforma educacional que conecta agentes. Somos cinco sócios. A principal fonte de receita da StartSe é a organização de eventos, cursos e workshops. Eu levo, por exemplo, empreendedores, executivos e profissionais de grandes empresas para o Vale do Silício, onde ficam por uma semana.
Como você define o ambiente de inovação no Vale do Silício?
Três fatores criam ambiente inovador. A rebeldia, que é a presença do visionário, que quer entregar algo melhor para a sociedade. O conhecimento é o segundo aspecto. Um rebelde solitário é um rebelde sem causa. Com conhecimento, as ideias se transformam em realidade. O terceiro ponto é o capital. É preciso ter alguém que invista nos projetos e saiba dos riscos. Além disso, existe o quarto fator, o poder público. Quando é aberto, permite que a inovação ocorra, tudo fica mais fácil. É uma política diferente da que vemos no Brasil, onde muitas vezes as portas nascem fechadas para o empreendedor. Se o poder público joga junto, as ideias ganham velocidade. O Vale do Silício é o que é porque há muitos rebeldes, muito conhecimento, muito dinheiro e o poder público não cria limitações, deixa os projetos surgirem.
O maior problema do Brasil é o poder público?
Não digo que é o poder público. Temos no Brasil uma rebeldia bem bacana. Há pessoas inconformadas, querendo mudar. Isso é ótimo. O Easy Taxi, por exemplo, surgiu no Brasil, bem antes do Uber. O país tem capital intelectual, mas menos do que outras nações. Começam a surgir no Brasil empresas de capital de risco que investem em novos negócios. O poder público não é o principal problema. A soma desses quatro fatores favorece ou desfavorece a inovação. No Brasil, estamos no meio do caminho. São Paulo é o 13º centro de empreendedorismo no mundo. Isso mostra que o país está caminhando para criar um sistema de inovação melhor.
O cenário de inovação em Porto Alegre é similar ao do restante do país?
A inovação surge na cabeça dos que veem oportunidades, e não barreiras. Para criar cultura inovadora, é preciso ver o copo cheio, e não vazio. Para quem está em Porto Alegre ou em qualquer lugar, não existe mais barreira geográfica. Um camarada em uma garagem de Santa Maria está conectado com o mundo. Empreendedorismo não é apenas criar negócio. Empreendedorismo é aplicado em qualquer âmbito da vida. É preciso não ficar restrito a um lugar. Quem é talentoso sabe que tem valor. Esse cara que está saindo da universidade em Porto Alegre não vai querer gastar 12 meses em uma empresa que não agrega nada a sua vida. Esse camarada não busca mais um emprego formal, das 8h às 18h, com vale-transporte e vale-alimentação. Não é mais isso que faz o olho brilhar.
Para as empresas atraírem talentos, têm de perceber que o mundo mudou. O talento quer embarcar em um foguete e ir para a Lua. Se o empresário não mostrar o foguete, o jovem vai para longe. Isso é tão verdade que os processos de entrevistas de emprego no Vale do Silício são completamente invertidos. No Brasil, o candidato se vende para o empregador. No Vale do Silício, é o contrário. São as empresas que se vendem para os candidatos. Chamam os potenciais funcionários para mostrar o que estão fazendo. As empresas de lá notaram que o talento é atraído pelos valores. Para atrair gente boa, é preciso perceber que o mercado mudou.
Por que você decidiu escrever um livro, um suporte mais tradicional?
Quando cheguei ao Vale do Silício, mergulhei no ambiente local. Conheci empresas e fiz uma rede de relacionamento enorme. Mas fiquei com medo de perder o que havia aprendido porque os dias lá são muito intensos. Então, para não esquecer o aprendizado, criei uma espécie de diário. Antes de dormir, abria o notebook e escrevia o que havia feito durante o dia. Depois de um ano e meio, mostrei os rascunhos para meus amigos, e me disseram que deveria transformá-los em livro.
Lancei Incansáveis há três semanas. Fiquei extremamente surpreso com a repercussão. Na semana passada, virou o livro de negócios mais vendido do Brasil. Tenta desafiar o pensamento padrão, é um jeito diferente de pensar processos. O livro leva o que aprendi na XP Investimentos e no Vale do Silício. É dividido em duas etapas: as transformações das empresas e como são criados os negócios, desde o surgimento das ideias. Falo de cases do passado e de atuais. Estou no país para o lançamento do livro. São 35 eventos em 45 dias.
Há concorrência de clusters de inovação ao Vale do Silício?
Sim, percebo isso. O Vale do Silício é um grande centro de inovação, mas Nova York, por exemplo, é referência na indústria de moda. Los Angeles é muito forte em empreendedorismo. Austin é um local fantástico que recebeu muitos investimentos nos últimos anos porque está no meio dos Estados Unidos. Fica perto da costa leste e da oeste. Em Chicago, surgem grandes empresas. O Canadá também tem centros.
Isso ocorre no Brasil: São Paulo é o principal polo, mas Florianópolis tem movimento de empreendedorismo incrível. O Porto Digital, em Recife, concentra várias startups. São Pedro Valley, em Minas Gerais, também é muito bacana.