Toda a Europa está furiosa com o Reino Unido, mas poucos se expressam de forma tão clara quanto Manuel Romera, diretor do setor financeiro da IE Business School de Madri. Ao realizar o plebiscito que criou a perspectiva de abandonar a União Europeia, há duas semanas, os britânicos também reabriram a caixa de pandora do pânico financeiro global e tornaram mais difícil domar a incerteza que minou as economias do planeta a partir de 2008. Romera, especialista em avaliação de risco financeiro com mestrados no Japão e nos Estados Unidos, usa sem constrangimento a palavra "imbecis" para se referir aos votantes e a seus líderes políticos e diz que precisam passar por um "castigo" mesmo se quiserem voltar atrás.
No dia seguinte à vitória do Brexit, Madri e Milão foram as bolsas que mais caíram. Isso significa que Espanha e Itália são os países mais impactados, além do Reino Unido?
Tanto a bolsa espanhola quanto a italiana têm peso muito grande do setor financeiro, que foi o mais impactado pelo Brexit. A volatilidade cambial fez com que os bancos fossem muito afetados, e no caso da Itália havia problemas anteriores, como a fragilidade do Monte dei Paschi di Siena (grande banco italiano). Quando algo assim acontece, a confiança desmorona. Os bancos são empresas cujos produtos são dinheiro e confiança. Se um cai, arrasta o outro.
Passados dois ou três dias, o mercado praticamente voltou ao normal. Isso quer dizer que o pânico acabou?
O mercado sempre é muito volátil, e agora está mais. Sabe o que eu fiz no primeiro dia que se seguiu à queda? Comprei na bolsa espanhola e em outras da Europa. Mas ainda não se sabe, porque o medo é livre, e os humanos são contrários ao risco.
Os bancos europeus estão mais expostos ao risco?
Depende do banco. Não é algo genérico. Na Espanha, o sistema financeiro tem um problema de rentabilidade, mas fez o dever de casa melhor do que na Itália. Lá, há bancos que estão virtualmente quebrados, tanto que a Comissão Europeia (órgão executivo da UE) pediu que o país dê 150 bilhões de euros em avais. Há uma avaliação de que faltam 40 bilhões de euros em capital.
Já é possível dimensionar o impacto?
Ao decidir pelo Brexit, o Reino Unido fragiliza a UE e o euro, mas muito mais o próprio país e a libra, que já se desvalorizou entre 20% ante o dólar. Isso fez com que, em duas semanas, o mercado imobiliário do Reino Unido perdesse entre 20% e 25% do valor, por isso se criam situações como a dos fundo imobiliários, que suspenderam os resgates dos investidores. Eles não podem vender agora porque perderiam 30% de seu valor.
Há risco de um efeito Lehman Brothers, que quebrou em 2008 e levou o mundo à recessão?
Essa é uma comparação fácil em teoria, e muito difícil na prática. Um banco é um banco, e um país é um país, que pode gerar inflação para sair da crise. Mas é um país com muitos imbecis, dos que votaram sem saber no que e de líderes que tinham uma reivindicação, venceram, e agora sumiram, por não saberem o que fazer nesta situação. São soberbos, brigam e depois analisam. Ninguém sabe. Só há medo. De qualquer forma, merecem esse castigo.
Dada essa reação, é possível voltar atrás?
Não creio em um segundo referendo para a mesma pergunta. Mas podem fazer outra que permita uma saída sem sair. Não acredito que invoquem o artigo 50 do Tratado de Lisboa (que define a forma de saída da UE). Isso se chama política, terão de encontrar uma forma. A confiança no Reino Unido se perdeu, e recuperá-la vai demorar anos, não semanas. O dano está feito.
Qual pode ser o encaminhamento?
Tem de aparecer uma solução política, o que não quer dizer que a UE não tenha de aplicar um corretivo no Reino Unido. Tem de fazer os britânicos entenderem que o coração não pode brigar com o bolso, e numa economia como a do Reino Unido, que saiu de ser um império para se tornar um polo de serviços, o bolso é mais importante. São tão soberbos que acham que seu orgulho pode se dar ao luxo de criar uma crise financeira global.
É possível estimar o tamanho do dano?
Neste ano, havia perspectiva de crescimento entre 1% e 3% no Reino Unido, dependendo da fonte. Agora, deve se converter em resultado negativo (queda do PIB). Qualquer prognostico ruim vai se converter em pior. Ninguém previa uma rejeição tão profunda à vitória do Brexit, que os líderes europeus ficassem tão contrariados e os tratassem de forma tão dura. É preciso um castigo duro para que pare aqui, porque se esse separatismo e independentismo começar a se espalhar, é cenário Mad Max, de quebra de sistema. Sou um apaixonado pelo Brasil, conheço Rio, Salvador, Manaus, mas o que está acontecendo com o Brasil? Chegou ao auge, foi irresponsável e agora está tendo de purgar uma época ruim. Espero que o Reino Unido não se torne a Grécia. A Europa está olhando com interesse para Madri, que é uma cidade onde se vive bem, é hiperturística. E só há alguns anos, estávamos ameaçados por um desemprego assustador, pela reestruturação do sistema financeiro. Mas não acredito que se chegará a recorrer ao artigo 50.
* A jornalista viajou a convite do Santander