O Último Romântico escreve poemas para a mulher amada. Às vezes, pede ajuda aos amigos do bar.
– O que rima com "primavera"?
Os amigos acham graça do Último Romântico, mas ajudam.
– Tenta "quimera".
– "Quimera". Boa.
– Você sabe, claro, que esta será a última vez na história do mundo que alguém rima "primavera" com "quimera".
– Não importa!
*
Às vezes, os amigos gozam do Último Romântico.
– "Amor" rima com? Não vale "flor", que eu já usei.
– Isopor.
– Horror.
– Bolor!
O Último Romântico não liga para a gozação. Põe seus poemas em envelopes que manda para sua amada quase que diariamente.
– Sua amada alguma vez respondeu uma carta sua?
– Nunca. Mas o amor tem que ser assim. Dilacerante. Se não for dilacerante, não é amor. Eu morro de amor todos os dias.
– Ninguém mais morre de amor.
– Pois deveriam.
– A última vez que alguém morreu de amor no Brasil foi nos anos 50, e suspeita-se que foi intoxicação alimentar.
– Pois não sabem o que estão perdendo.
*
Um dia, o Último Romântico chegou ao bar empolgado com uma ideia. Faria uma serenata para a mulher amada. Os amigos o acompanhariam? Ninguém se entusiasmou.
– Serenata, cara?
– Exato. À moda antiga. Debaixo da sacada dela. Minha voz não é das piores. Só preciso de acompanhamento.
Todos olharam para o Pires, o único da turma que tocava violão.
– E aí, Pires. Vai encarar?
O Pires hesitou, depois disse:
– Topo.
– Você sabe Carinhoso? – perguntou o Último Romântico.
– Arranho.
*
O Último Romântico e o Pires chegaram ao prédio onde morava a amada no meio da noite. Primeira constatação: o prédio não tinha sacada. O Último Romântico sabia qual era a janela da amada? Só sabia que era no oitavo andar. O jeito seria fazer a serenata pelo interfone. Mas qual dos dois apartamentos do oitavo andar era o da amada?
– Como é o sobrenome dela? – quis saber o Pires, consultando o painel de moradores ao lado do portão.
– E eu sei?
– Um dos moradores do oitavo se chama Susuki. Sua amada é japonesa?
– Não. Aperta o outro botão.
Depois de um longo tempo, ouviu-se uma voz feminina sonolenta:
– Quem é?
O Último Romântico só teve tempo de começar a cantar "Meu coração...", quando chegaram os assaltantes.