Vai-se firmando no horizonte uma interrogação nova e aguda: a superpresença de histórias, de narrativas, de relatos no mundo atual. Não é apenas o fato de haver uma produção inabarcável de memórias, biografias, novelas, contos, romances; é também o volume de séries, telenovelas, filmes, em forma longa, e assim também as micronarrativas das redes sociais.
Até na publicidade sumiram do horizonte os textos breves, os poemas, as frases de efeito, os trocadilhos matadores, para dar lugar a narrativas. Vá a um site de determinado produto, e lá está uma historinha contando a origem do produto ou de empresa, uma ou outra foto antiga do dono quando era ainda um guri. E tem o abuso da palavra "narrativa" como sinônimo de "interpretação", na boca de políticos, especialmente do espectro à direita.
Foi por isso que comecei a ler um livro chamado Seduced By Story – The Use and Abuse of Narrative (Seduzidos por Histórias – o Uso e o Abuso da Narrativa), de Peter Brooks (edição da New York Review Books). Não terminei, mas me apresso a dar breve notícia dele aqui.
Brooks, escritor e professor de Literatura, começa relatando a percepção dessa presença massiva das narrativas no mundo atual. Ele observa algumas vantagens da forma narrativa sobre outros gêneros de texto: histórias podem ser traduzidas e transpostas para outras mídias, podem ser resumidas, podem ser recontadas em outras palavras e continuam a ser reconhecíveis. Ao contrário de poemas, que são objetos irredutíveis e inadaptáveis.
Mais: em todas as áreas do conhecimento humano histórias têm lugar importante. Outra ainda: a força do relato de tipo etnográfico em nosso tempo, que encontra paralelo na voga de autoficção e o que vem de ser chamado de "escrita de si". Muita coisa.
Nas redes, vemos o império não dos fatos ou de seu alinhamento racional e argumentado, mas da posição dele em narrativas, cujo significado é determinado "pelas nossas expectativas da coerência narrativa, que é formada por nossas crenças prévias sobre comportamento humano, motivações, moral, identidade de gênero etc.", diz. A bolha enquanto ambiente narrativo.
Brooks arrisca uma tese: talvez as narrativas sejam essenciais ao nosso modo de entender o mundo num nível muito profundo, uma vez que elas se estruturam essencialmente num transcurso de tempo, e que nossa inteligência, nossa cognição, diz ele, é moldada mais pelo tempo do que pelo espaço. Faz sentido.