Uma das várias entradas possíveis para falar deste excelente livro chamado Édipo na Colônia (editora Humana, de Chapecó) é dizer que se trata de um livro de leitura convocadora, como os bons ensaios precisam ser.
O ensaio nasce de uma inteligência, de uma sensibilidade, de uma alma que se abre ao leitor sem medo, expondo do modo mais verdadeiro possível sua verdade, sua leitura da vida — nunca com a intenção de explicar, sempre com a intenção de entender.
Os autores são dois escritores de uma geração posterior à minha. Deles já comentei aqui dois romances, um de cada: Demo Via, Let’s Go, de Gustavo Matte (editora Kazuá), e Adriano Chupim, de Paulo Damin (Martins Livreiro). São gente do mundo das letras e humanidades, que não apenas não escondem sua origem geográfica (Gustavo Matte é de Chapecó, Paulo Damin é de Caxias) e de classe social (gente de classe média urbana mas com vínculos de família na produção primária), como fazem dela a matéria-prima da reflexão que aqui se lê. O resultado é soberbo como depoimento e como interpretação do que vai envolvido nisso.
A estrutura do livro é de extrema vivacidade: são e-mails trocados entre os dois, entre novembro de 2021 e maio de 2022. O primeiro é do Paulo respondendo a uma pergunta do Gustavo: por que Caxias não é uma cidade cosmopolita, apesar de grande e rica?
O que se segue mistura depoimentos existenciais (por que saíram de lá para estudar em cidades maiores?) com impressões críticas sobre o vivido (os muros e a estrita ética do trabalho de Caxias, os frigoríficos que não param nunca de funcionar em Chapecó), tudo isso temperado com leituras sutis de escritores (romancistas como Pozenato, Erico Verissimo, Charles Kiefer, Luiz Ruffato, ensaístas como Dacanal) e artistas plásticos.
Uma das angústias de fundo, compartilhada pelos dois, especula sobre os limites da vida inteligente nas duas cidades: como produzir e fruir arte e pensamento quando o fundo mais persistente da vida colona é impedir o ócio, a invenção livre?
O livro não propõe respostas imediatas, não quer ser um plano de ação. Quase ao contrário, quer abrir espaços de imaginação a partir do concreto, mas não hesita em parodiar, no título, uma tragédia clássica – o Édipo em Colono, de Sófocles, se transforma no Édipo na Colônia, nos dois casos pessoas interessadas em desvendar seu passado obscuro. Não perca!