
Se era um jogo propositivo que os jogadores do Grêmio reivindicavam na Era Felipão, será isso que terão com Vagner Mancini, o técnico tirado do sossego e da segurança no América-MG para salvar o clube do terceiro rebaixamento. Em pouco mais de 100 dias em Belo Horizonte, ele fez os mineiros saírem do Z-4 e se instalarem no meio da tabela.
Mais do que isso, fez o time jogar um futebol consistente, alicerçado em um modelo de muita organização e agressivo na fase ofensiva, a partir de um controle das ações e da bola. Essa, aliás, era a grande queixa dos jogadores com a ideia anterior, que pregava execuções rápidas das ações e uma verticalidade.
O combo trazido de Minas por Mancini é bem empacotado por resultados e rendimento. Uma junção que, neste momento, tem matizes de sonho para os gremistas. Porém, no América, ele teve tempo para atingir esse estágio. Demorou um mês e sete jogos até estabilizar a equipe.
Progrediu testando sistemas diferentes, recuperando alguns jogadores, como Ademir e Alê, redescobrindo outros, como Lucas Kal, e criando uma ideia de jogo que deu o salto quando ele recebeu reforços decisivos. As chegadas do lateral Patric, do meia-atacante Zárate, livre depois de sair do Boca, e do centroavante Fabrício Daniel, trazido do Mirassol, vitaminaram o time.
Mancini chegou a usar três zagueiros em determinado momento. Também testou uma formação com três jogadores com características de marcação no meio. O time, porém, oscilava. Resgatou, então, alguns alicerces deixados por Felipe Conceição e Lisca e, a partir deles, colocou sua mão e suas ideias e fez o time decolar.
O resultado final foi o que vimos quarta-feira, no Beira-Rio, uma equipe que usa 50, 60 metros do campo e se move de forma agrupada. Marca de forma intensa, mas joga na mesma medida. O que Mancini disse, na apresentação, sexta-feira, foi visto em campo 48 horas antes. Perguntado sobre como seus times jogavam, foi direto:
O América-MG encaixou a partir de algumas mudanças, conforme me contam os colegas da Rádio Itatiaia: Léo Figueiredo, comentarista, e Emerson Romano, setorista. A principal delas, apontam, foi a fixação do zagueiro Lucas Kal como volante.
Lucas, 25 anos, está emprestado pelo São Paulo e se saiu tão bem que o plano no Morumbi é aproveitá-lo em 2022. Com bom passe, ele virou peça chave na construção ofensiva. Mancini gosta que seus times saiam de trás com a bola no chão. Quando o time é atacado, Lucas recua e forma linha de cinco. O meio-campo ideal de Mancini era completado por Alê, que chegou do Cuiabá em 2020 como meia e virou volante de bom toque, e Juninho, um motorzinho que conecta as duas áreas.

E Douglas Costa?
Juninho, embora volante de origem, jogava preenchendo o corredor esquerdo, de frente a fundo. Ademir fazia isso pela direita. Uma variação tinha Felipe Azevedo pela esquerda. Um recado para Alisson e Ferreira: esses dois extremas precisam ser abnegados na fase defensiva e desequilibrantes na ofensiva. Pelo que me descreveram os dois colegas mineiros, essa é uma função que não tem o molde de Douglas Costa, pela exigência física.
O lugar de Douglas pode ser mais à frente, onde no América jogava Zárate. Aos 34 anos, o argentino não oferece grande lastro físico, mas é decisivo com a bola. Mancini o deixou como um atacante por dentro, com liberdade de movimentação e pouco campo para percorrer.
Quem sabe Douglas não vire, com o novo técnico, um segundo atacante por trás do centroavante, uma função que hoje, por exemplo, Neymar faz na Seleção? Assim, ele fica mais livre para criar e chegar à frente para concluir as jogadas.
Espelhando esse América com um possível Grêmio, podemos apontar Thiago Santos como um volante à frente área, e um segundo do meio com bom passe e capacidade de armação. Jean Pyerre pode ser esse "volante/meia", já fez essa função. Mas precisará elevar sua intensidade. Darlan seria uma outra alternativa.
A ideia é contar com jogadores de jogo mais fluído. Foi por isso que Mancini tomou uma decisão até surpreendente em Minas, quando colocou no banco Zé Ricardo, volante de marcação e que vinha em alta, e apostou em nomes de mais refino.
Mais à frente, o torcedor gremista pode apostar em um quarteto formado por Alisson e Ferreira, pelos lados, e Douglas Costa e um dos centroavantes pelo meio. O centroavante, porém, precisará ser mais móvel e enérgico do que Diego Souza vem sendo. Mancini costuma montar seus times com ideia propositiva de jogo e, como ele mesmo disse, agressivos na marcação. Isso se cristaliza em uma pressão desde a saída de trás.
Romano lembra que houve jogos em que o América marcou a 20 metros do gol do rival. É uma forma de procurar o gol, criar a vantagem logo no início e, com ela, controlar o jogo. Foi assim, por exemplo, no 2 a 0 no Cuiabá, na Arena Pantanal. O plano é todos marcarem e fecharem espaços, em espécie de blitz. Não será surpresa, portanto, se até a volta de Borja, Churín ou até Elias ganharem espaço. O modelo exige doação total.
Foi implantando essas ideias que Mancini fez o América escalar na tabela. Porém, é preciso levar em conta alguns pontos. Esse América oferecia condições especiais para se implantar um trabalho.
Trata-se de um clube com boa estrutura, salários pagos religiosamente em dia, pressão quase zero da torcida e que oferece tempo para os técnicos. Os dois primeiros itens, o Grêmio oferece. O problema são esses dois últimos. É montar um time com suas boas ideias de futebol nesse cenário que está o maior desafio da carreira de Mancini.