João Patrício Hermann assume nesta segunda-feira (4) como vice de futebol do Inter com a tarefa de redesenhar seu cargo. Aos 52 anos, o administrador de empresas formado pela UFRGS em 1991 ocupa a segunda cadeira mais importante do clube justamente incumbido de fazer dela uma parte da engrenagem, e não a engrenagem toda. É uma pequena revolução, ainda mais no Rio Grande do Sul, em que a figura do dirigente tem um peso que não se vê em nenhum outro Estado.
O plano de gestão que elegeu Alessandro Barcellos indica na linha de frente o executivo e faz do vice de futebol um fiscalizador da aplicação das ideias e do plano estratégico do clube. Mais do que isso, o transforma em ponte entre o Conselho de Gestão e o vestiário.
Pode ser coincidência, mas o sobrenome que fará essa transição marca bem duas eras do Inter. Os Hermann estiveram ali atrás em momentos centrais do clube. Eraldo Herrmann, falecido em 2018, foi o presidente da Comissão de Obras na construção do Beira-Rio, na década de 1960. O estádio representou a maioridade colorada, foi propulsor da hegemonia estadual com o octa e da conquista de títulos nacionais. Aliás, era Eraldo o presidente em 1975, no primeiro Brasileirão.
Passados 45 anos, cabe ao filho João Patrício conduzir o futebol do Inter a uma outra Era, a do maior protagonismo da ciência de dados e dos projetos e do menor protagonismo do dirigente político.
Coloradismo
João Patrício, pode-se dizer, nasceu no Inter. Tanto que foi associado nos primeiros dias de vida. Aos 20 anos, virou conselheiro. Aos 32, dirigente. Aos 48, vice eleito. São 32 anos ininterruptos no Conselho, o que já o tornou membro nato.
O clube sempre esteve presente de forma intensa na casa dos Hermann. Falar dessa paixão familiar faz o contido João Patrício se soltar. Foi assim na quinta-feira (31) pela manhã, quando atendeu à coluna por chamada de WhatsApp. Estava em uma propriedade rural no interior de Cachoeira do Sul, com visual de um campo esparramado numa planície verde. Um refúgio perfeito para quem assumirá em 2021 a missão de guiar a transformação no futebol de um Inter que tem parte significativa dos alicerces construídos pelo pai.
A memória afetiva de João Patrício indica que, até seus sete anos, o Inter comeu, dormiu e acordou dentro de sua casa. Até o dia em que o pai reuniu ele e o irmão e anunciou o afastamento dos cargos diretivos do clube.
— Então, o senhor vai ficar mais tempo em casa, conosco?
— Sim, ficarei mais com vocês.
O que o pequeno João Patrício não tinha descoberto é que a semente colorada já havia sido introjetada nele. O pai cumpriu a promessa. Mesmo que seguisse ligado ao clube, ouvindo dirigentes, aconselhando-os quando consultado, frequentado o Conselho e, é claro, marcando presença nos jogos no Beira-Rio.
Tempos atrás, João ouviu de um amigo a história de uma rotina do pai aos domingos, pouco depois de se afastar. Ele pegava seu Dodge Dart e saía da Rua Ganzo, no Menino Deus, guiando sem pressa. Nas paradas de ônibus em que havia um colorado, parava e oferecia carona. Chegava ao estádio com o carro lotado. Só se identificava quando se despedia dos novos amigos. Que iam Beira-Rio adentro incrédulos com a carona ganha do presidente do primeiro Nacional, do homem que ajudou a erguer o estádio.
Trajetória
Essa é uma passagem que mostra o quanto Eraldo valorizava a coletividade colorada. O quanto apostava que um Inter sem diferenças se tornava mais forte. Talvez essa mentalidade do pai tenha feito do filho um colorado atuante, sempre pronto a trabalhar pelo clube. Tanto que sua trajetória política se iniciou ainda no começo dos anos 1990, quando foi um dos fundadores do Inter2000. Ao lado do InterAção, foi um dos primeiros movimentos políticos organizados do clube.
A juventude dos seus integrantes deu ao Conselho a feição que tem hoje, tanto no sua pluralidade quanto na ação mais fiscalizadora dos atos do clube. No final de 1999, os guris, como eram conhecidos no Beira-Rio, assumiram o clube. João Patrício foi vice de administração e, depois, diretor de futebol.
— Naquela época, nossas pautas já abordavam o matchday, Beira-Rio como shopping, quadro social e, claro, o planejamento. Pontos ainda atuais — conta o novo vice.
A partir desta segunda-feira, a gestão Alessandro Barcellos assume para incrementar algumas dessas pautas e outras mais para que o Inter se conecte à indústria do futebol na velocidade que ela exige. O vestiário será uma das áreas com maior transformação. Ele estará a cargo de um sobrenome que fez o clube dar um salto nos anos 1970. O mesmo salto que se faz necessário agora, neste acelerado começo de século 21.