Tiago Rech, 33 anos, vai demorar para dormir. O jovem presidente levou o Santa Cruz ao seu primeiro título estadual em mais de 100 anos de existência. E no momento mais delicado da história do clube, na Terceira Divisão gaúcha. A conquista da Copa Íbsen Pinheiro, ao vencer nos pênaltis o São José, no Passo D'Areia, representa uma linda história de um torcedor que saiu da arquibancada para ajudar o time do coração ocupando a sua cadeira mais importante.
Na tarde desta quarta-feira (23), ainda com a medalha no peito e quase tresnoitado, Thiago conversou com a coluna. Confesso que foi estranho. Afinal, ali estava o Rooney, como a gente o chamava nos tempos de colega na ZH e no Diário Gaúcho, por quem era impossível não deixar se cativar, pela grande figura que é. Mas também estava também o presidente dono de uma das três taças possíveis neste 2020 aqui no Estado.
Como está o dia seguinte do torcedor-presidente campeão?
Dormi uma hora, só. A torcida nos esperou, teve carreata. Não teve carro de bombeiro, mas nos cederam uma caminhonete, que foi suficiente. Às 5h, ainda estava lendo as notícias, vendo a repercussão. Saiu em todos os lugares a conquista da Copinha pelo Santa Cruz, rodou o Brasil. Não sei quando vou dormir. Passei a noite com a medalha no peito, estou com ela até agora. Nem me dei conta. Ontem (terça-feira), foi o dia do William (Campos) levar a taça para casa. Hoje, ela veio aqui para a casa.
Ela var fazer um giro de casa em casa?
Vai, vai fazer essa ronda. Que coisa bonita, que sensacional sair do torcedor solitário numa arquibancada (foto ao lado) para presidente campeão de um título desses. Ainda mais que teremos uma Copa do Brasil em 2021. É algo incrível.
Como é sair da arquibancada para dar o primeiro título estadual ao clube do coração?
É fora de série, sensacional. Sempre tive a visão de que torcedor não tinha apenas de reclamar, precisava colaborar. Sempre me cobrei de que precisava fazer a minha parte, me aproximar do clube. Vim como assessor de imprensa, fiquei amigo do presidente, trabalhei em outras áreas, conheci a fundo o ambiente e os conselheiros. A queda para a Terceirona mostrou que necessitava sangue novo, renovação. Por tudo isso, comemorar essa taça é um sonho. Não imaginava que aconteceria tão cedo na minha vida (33 anos).
Você está em sua segunda passagem pelo clube, certo?
Assumi em julho de 2014 e fiquei um ano, tempo do mandato. Voltei agora no final de 2018, quando o clube caiu para a Terceira Divisão. Voltei com essa ideia de tentar reerguê-lo, de tirá-lo a Terceirona. Assumir o clube nessa situação é, antes de tudo, uma prova de amor incondicional. Voltei através de eleição. Já vinha com essa ideia de ser presidente de novo. Conversei muito com o meu atual vice, o Luiz Carlos Vitiello, que foi presidente em 1985, tem mais de 40 anos no Santa Cruz. Vinha mantendo diálogo com outros amigos, hoje parceiros de gestão. Só avisei meu pai de que voltaria à presidência dois dias antes. Me lembro, foi em um evento a Unisc. Ele quase me deserdou de vez, disse que havia enlouquecido (risos). Mas me apoiou nesses anos todos. Disse que seria diferente. Não iria colocar dinheiro do bolso outra vez, que correria atrás e faria diferente do que tinha feito em 2015.
O que você fez de diferente?
Desde que caímos, em 2013, ano do nosso centenário, tivemos sete anos terríveis. Ruim em questão de montagem de grupo, de finanças. Ruim mesmo. Mas vim com ânimo diferente, de trazer algo novo. Escolhi as pessoas certas para estarem comigo. Os dois diretores de futebol são parceiros mesmo, um deles, inclusive, patrocina o clube. Trouxemos um gerente de futebol, o Serginho, ex-zagueiro do clube. Faltava esse contato mais profissional entre a comissão e a direção. Depois, formamos um núcleo duro, somos quatro (há ainda o supervisor de futebol, Palito). Tomamos decisões em conjunto.
Qual a situação financeira hoje?
Assumi com cerca de R$ 60 mil de dívidas. No primeiro ano, fizemos a Terceirona com um grupo jovem, basicamente atletas aqui da cidade. O objetivo era pagar dívidas, recuperar o nome do Santa Cruz como bom pagador para fornecedores e atletas. A ideia em 2020 era montar um time forte para subir de divisão. Só que a competição foi cancelada. O que ajudou foi que recebemos mecanismos de solidariedade de dois jogadores, o Thiago Volpi, comprado pelo São Paulo, e o Pedro Henrique, que foi para um clube turco. Eles jogaram cinco meses na nossa base. Mesmo sendo valor menor em relação aos outros clubes pelo qual passaram, ajudou muito.
É verdade que você era contra, inicialmente, jogar a Copinha?
(Risos) Chegamos ao final deste ano com essa decisão a ser tomada: arriscamos jogar a Copinha e buscar um título e a vaga na Copa do Brasil ou guardamos o dinheiro para um time forte na Terceirona 2021?. No princípio, fui contra jogar a Copinha, estava preocupado. Um dia, mandei, às 5h, uma mensagem para um dos vices revelando isso. Ele agora me devolveu agora a mensagem. Os demais dirigentes me convenceram. Estavam certos. A Copinha vai nos colocar em novo patamar.
Um outro patamar de meio milhão de reais, não?
Só a Copa do Brasil nos garante R$ 540 mil na primeira fase. Creio que pagará boa parte do ano. Uma parte do dinheiro está comprometida com prêmio para os jogadores. Vamos buscar com conselheiros e empresários recursos para que esse dinheiro da CBF fique integralmente para o clube. Teremos ainda um jogo da Recopa, contra o Grêmio. Só me preocupa o calendário desafiador. Não sabemos se a Terceirona sairá no primeiro semestre. Se isso não acontecer, fica difícil montar time para jogar só a Copa do Brasil e a Recopa em seis meses.
Como foi montar esse time com o futebol do Interior parado desde março?
O nosso zagueiro, Léo Carioca, estava parado havia dois anos. Foi campeão com o Novo Hamburgo em 2017, o William o conhecia e o trouxe. Ele contou no vestiário que, se não arrumasse clube até o fim deste ano, pararia. Isso com 34 anos. O Jean Roberto estava havia nove meses sem jogar. Trouxemos ainda o Nena, ex-Brasil-Pel, que foi nosso artilheiro. O Fabiano Heves, ex-Inter e Avenida, também foi buscado. Na verdade, tínhamos jogadores com contrato para a Terceirona e trouxemos cinco ou seis, todos indicados pelo William, que foi fundamental nessa conquista.
O futuro do clube não passa pela formação de uma categoria de base?
Estávamos na situação de marcar um leão por dia, de pagar contas pequenas com atletas. Vejo muito claro isso (da base). A vaga na Copa do Brasil antecipou processo. Nosso plano era voltar para a primeira divisão, passo a passo. Mas surgiram a Copinha e a vaga numa competição nacional. Tem de manter os pés no chão, investiremos um pouco mais, montaremos time competitivo em 2021, para subir à Divisão de Acesso. Neste ano, vence o contrato de concessão da área no estádio para o posto de gasolina. Faremos novo contrato, que renderá receita mensal. Revitalizaremos o estádio. O presidente da FGF, Luciano Hocsmann, me cobrou.
E a base, está no horizonte?
Temos parceria de 15 anos com o Centro Esportivo, que administra nossa base. Fortaleceremos isso. Com a cota, os patrocínios que teremos pela visibilidade da Copa do Brasil, montaremos um time sub-17 ou sub-20 para jogar o Estadual. O dinheiro vindo das vendas do Volpi e do Pedro Henrique mostram que o caminho é esse. Temos um jogador no time sub-20 do Inter, o atacante Nicolas, descoberto depois de ser goleador do Estadual Sub-17.