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Não era para eu estar escrevendo esse texto. Em 21 de novembro de 2020, no final da segunda década do século 21, é inaceitável que ainda se tenha de combater o racismo. O triste é que, infelizmente, essa luta está só no começo. Vou repetir: quase no fim da segunda década do século 21.
Escrevo aqui com um nó no peito. Tem uma tonelada nos meus ombros. O assassinato de João Alberto Silveira Freitas a socos na porta de um estacionamento de um hipermercado na noite de quinta-feira (19) jogou na nossa cara que nossa sociedade está doente. Que o lugar que escolhi para morar com minha mulher e meus dois filhos dissimula e tenta esconder o preconceito e a segregação.
João, aposentado, 40 anos, foi ao supermercado fazer compras com a mulher e foi morto pelo ato mais primitivo de um ser humano. Estamos em 2020, com todos os recursos tecnológicos e um manancial de informações que nunca imaginamos ter — e na palma da mão. Só que também agimos como se estivéssemos na pré-história e, por isso, essa luta contra o racismo está apenas começando.
Aqui, nessa página da Editoria de Esporte, quero fazer uma convocação ao Grêmio, ao Inter, aos seus jogadores e aos dirigentes dessas duas instituições com mais de cem anos de vida. Elas são o Rio Grande do Sul que deu certo e, por isso, precisamos delas para reverberar, para dar voz e potência a essa luta contra o racismo.
Tudo que envolve a Dupla mobiliza todo o Estado. Tudo o que envolve os dois clubes e seus jogadores amplifica como nenhum outro tema aqui na ponta sul do Brasil. É dessa força que precisamos. O futebol, como instrumento social, tem o dever de entrar em cena.
Meu sonho seria ver os jogadores de Grêmio e Inter, por exemplo, se recusando a entrar em campo no fim de semana. Provocando uma convulsão na CBF, esculhambando a tabela do Brasileirão e mostrando que, neste momento, há uma questão muito mais importante. Urgente e que merece a atenção dos torcedores de todas as cores — de camisa e, principalmente, de pele.
Além do marketing
Seria um começo retumbante, mas sei que é utopia minha. Agora, não vou me contentar com post no Instagram ou publicação no Twitter. O clubes precisam ir além do marketing. Quando teremos um negro em seus comandos? Hoje, o Inter conta com cinco integrantes em seu conselho de gestão. Nenhum negro.
O Grêmio tem sete membros no Conselho de Administração. Nenhum negro. Aliás, em mais de duas décadas de jornalismo esportivo, vi pouquíssimos dirigentes negros em Grêmio e Inter. Antes que atirem a primeira pedra, também vi uma minoria entre meus colegas — é bom sempre frisar, embora essa seja uma luta de todos, sem distinção de classe ou categoria.
A mudança a que me refiro começa por aí, pelos comandos. Por que não técnicos negros? Se não houver um nome no time principal, abra-se espaço na base, prepare-se um profissional. Não é exclusividade da dupla Gre-Nal essa predominância branca, é bom que se diga.
O papel do futebol
Entre os 40 clubes das Séries A e B, só a Ponte Preta tem um presidente negro — e que instalou uma gestão inclusiva, com negros e mulheres na direção. O Inter, por exemplo, tem quatro chapas concorrendo à presidência. Cada um com cinco nomes. Nenhum negro. Se é preciso estipular cotas, que seja feito em um primeiro momento. Há de se começar de alguma forma, porque a mudança precisa mexer com a estrutura.
A segunda parte dela — e mais visível — precisa incluir os jogadores. Confesso que, mais uma vez, me frustrei. Vasculhei perfis nas redes sociais e vi algumas manifestações contra o assassinato de João Alberto. O lateral Leonardo Gomes, nos stories, perguntou em letras garrafais: "E aí, até quando?"
Richarlison, atacante da Seleção Brasileira e que vem se posicionando sempre em temas que fogem da bolha do futebol, também registrou a indignação com o assassinato de João Alberto. Mas, vamos combinar, elas poderiam vir em enxurradas. Nossos jogadores são ídolos que arrastam milhares de seguidores. O que falam, repercute. Principalmente, entre as crianças.
Passou da hora de as postagens deixarem de ser as da foto do último gol ou do modelito na saída para o jantar. O futebol é uma caixa amplificadora potente que precisa ser usada nessa nossa luta contra o racismo. Temos de jogar com nossas armas. Mas, para isso, é preciso deixar de lado o discurso e a contemplação. Chegou a hora de entrar em campo.