Você certamente vai se lembrar mais de Gerson, 27 anos, com a camisa da Seleção do que com a do Grêmio. O zagueiro cumpriu trajetória luminosa na base, foi campeão sul-americano sub-15 e sub-17 com o Brasil e começou sua trajetória em verde e amarelo numa Copa Mediterrâneo que tinha entre os estreantes Alisson, Casemiro, Neymar e Phellipe Coutinho.
Para esses guris, era (e ainda é) o "Capita". Cada um tomou um caminho, e o do Gerson o levou até a Tanzânia. Há alguns meses, ele é um dos nomes do Simba, time da capital Dar e Salam. A vida por lá estava boa até a chegada do coronavírus. O futuro se tornou incerto, e o zagueiro espera confinado por um rumo.
Ansiedade
Até o final da primeira semana de maio, a busca de Gerson era por um voo fretado pela embaixada do Brasil que tirasse ele, o zagueiro Tairone, outro porto-alegrense do Simba, e mais alguns compatriotas desgarrados no país. Por telefone, naqueles dias, era possível perceber a ansiedade do ex-gremista.
Afinal, desde 17 de março, quando o governo local decretou a suspensão das competições, ele passava os dias confinado em casa, embora não houvesse ordem expressa para isso. As saídas eram raras, apenas para abastecer a despensa. Fluente em inglês e com domínio de francês e italiano, ele sabe apenas o básico para não passar fome em swahili, o idioma local. Por isso, as informações que eram escassas chegavam, por vezes, truncadas.
A ansiedade de Gerson aumenta porque, em agosto, a mulher, Eduarda, dará a luz à segunda filha do casal — são pais de Manuela, três anos. Mais do que estar longe de casa nesse momento complicado de pandemia, sem poder cuidar das "meninas", o corroía a perspectiva de seguir retido no país e perder o parto da filha. A Tanzânia até agiu rápido para impedir a proliferação do coronavírus. Na metade de março, fechou escolas e suspendeu eventos com aglomeração. Porém, comércio e transporte público seguiram ativos.
O governo também orientou que regras de higienização fossem seguidas. A questão, no entanto, é justamente essa. Trata-se de um país que, embora esteja em desenvolvimento, carece de recursos sanitários e, como toda a África, padece com a falta de estrutura. Os números deixam clara a subnotificação: 509 casos registrados e 21 mortes. Para completar, o chefe de saúde do país foi demitido pelo presidente depois que testes para a covid-19 feitos em mamão papaia e em um bode deram positivo. O chefe comercial da pasta também caiu.
Retomada
Na última quinta-feira, a ansiedade de Gerson foi arrefecida pela notícia recebida do clube de que o campeonato nacional será retomado até a metade de junho. O Simba lidera com 15 pontos de vantagem. É o clube mais popular do país e tem sua força vitaminada pelo dinheiro de um bilionário local, Mohammed Dewji, que comprou 51% do clube em 2016 com o plano de torná-lo uma potência africana.
Se tudo der certo, Gerson finaliza o campeonato e volta para a Porto Alegre para acompanhar a chegada da segunda filha. Se bobear, ainda dará tempo de espichar-se sob o sol nas areias de Zanzibar, paraíso de águas azuis translúcidas no Índico, a duas horas de barco de Dar e Salam.