
Em uma das tantas cenas emblemáticas do aclamado Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, Eunice Paiva é questionada por uma repórter sobre o fato de ter acionado a Justiça para obter a certidão de óbito de seu marido, Rubens, levado de sua própria casa por agentes da ditadura militar. Era o ano de 1996, quando ela, já advogada, conseguiu enfim, obter o reconhecimento da morte. Rubens havia sido torturado, espancado e morto em janeiro de 1971. Foram 25 anos de espera.
— Você não acha que o Estado tem coisas mais importantes para resolver do que revisar passado? — quis saber a jornalista.
Ela foi convicta:
— Não. O não reconhecimento da morte de Rubens foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família.
Não é preciso ser um profundo conhecedor do tema para concluir que não entregar respostas (e neste caso, nem mesmo o corpo) de um familiar alimenta uma angústia e um sofrimento contínuos. Trata-se de uma dor prolongada
Eunice tinha toda a razão. Não é preciso ser um profundo conhecedor do tema para concluir que não entregar respostas (e neste caso, nem mesmo o corpo) de um familiar alimenta uma angústia e um sofrimento contínuos. Trata-se de uma dor prolongada. Não há como materializar o luto, virar uma página, encerrar um ciclo se não há conhecimento sobre o que de fato aconteceu.
Por isso mesmo é de espantar que o Brasil tenha demorado tanto (dezembro de 2024) para formalizar a necessidade de uma “reparação moral”, por meio da retificação dos assentamentos de óbito de mortos e desaparecidos da ditadura. Até o ano passado, eram ao menos 400 famílias nessa situação, como apontou Bernardo Mello Franco (O Globo). Lares destroçados a partir da perda de uma pessoa querida e expostos à covardia de um Estado que não apenas escondeu os corpos, mas também isentou de punição quem torturou e matou.
É aceitável que ninguém tenha sido responsabilizado? De quantas Eunices estamos falando?
Por isso é que Ainda Estou Aqui é um filme vencedor. Não é somente o Oscar. É um reconhecimento histórico, a partir da ótica de uma família feliz e amorosa, daqueles que lutaram e resistiram à violência da ditadura. Que teimaram em seguir. Eunice Paiva materializou essa essência, apesar da dor aguda e de chorar trancada no escuro para que os filhos não percebessem. Para que, apesar de tudo, pudessem seguir.
Eles seguiram. O Brasil seguiu. Hoje é dia de celebrar o Brasil. É dia de vibrar com o filme de Walter Salles e a atuação de Fernanda Torres. É dia de sorrir.