A aposentadoria antecipada do ministro decano do STF Celso de Mello é peça a favor do presidente Jair Bolsonaro no xadrez político. E explicamos aqui na coluna os motivos. Primeiro porque Celso de Mello é o relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura a possível interferência de Bolsonaro quanto à troca do diretor-geral da Polícia Federal. O episódio, nebuloso, gerou uma crise interna que culminou com a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça.
Incomodado, o ex-juiz da Lava-Jato caiu atirando. Disse que o ex-chefe tentava, com a troca na PF, blindar investigações contra a família, em especial os filhos que são alvo de apuração em esquemas de irregularidades.
As acusações feitas por Sergio Moro embasam o inquérito na Suprema Corte, cujo relator é justamente o decano. Para se ter uma ideia da tensão gerada pelo processo, o depoimento por escrito, reivindicado pela defesa do presidente Bolsonaro, não foi aceito pelo relator. Na visão do ministro Celso, presidente de Poder só poderia depor por escrito na condição de testemunha ou vítima (Bolsonaro é investigado nesse caso). Bolsonaro, nesta perspectiva, teria que depor presencialmente. O presidente, claro, não gostou da decisão.
Ocorre que, como o decano precisou se ausentar por em licença médica, o ministro Marco Aurélio Mello o substituiu no inquérito que envolve o presidente. E decidiu enviar ao plenário virtual a decisão sobre a possibilidade de Bolsonaro prestar depoimento por escrito, contrariando o colega. O ministro Marco Aurélio Mello inclusive antecipou seu voto, opondo-se ao decano e prevendo explicações não presenciais - como desejava o presidente da República.
A aposentadoria de Celso, portanto, é peça a favor do presidente no tabuleiro, a se considerar apenas esse episódio.
Mas há outro ponto importantíssimo a ser lembrado: é a partir da saída de Mello que Bolsonaro poderá indicar pela primeira vez um ministro para o STF. O último presidente que o havia feito fora Michel Temer, que apontou Alexandre de Moraes para a vaga deixada pelo falecido ministro Teori Zavascki.
É curioso, inclusive, imaginar que Jair Bolsonaro havia prometido esta primeira vaga no STF (gerada pela aposentadoria compulsória de Celso de Mello) ao ex-pupilo e ex-responsável pela Lava-Jato, Sergio Moro, que hoje o acusa de interferência em investigações e descompromisso com o combate à corrupção.
Também será interessante observar se Bolsonaro cumprirá a promessa de indicar um ministro "terrivelmente evangélico", como já anunciara, ou alguém que comungue dos valores pregados por ele no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU esta semana. Na ocasião, Bolsonaro falou em combater uma cristofobia em curso e promover a defesa dos valores da família brasileira. De qualquer forma, é o presidente quem sairá ganhando.