É assustadora e absolutamente revoltante a informação trazida pelo jornal Folha de São Paulo nesta segunda-feira (21), que revela que a ministra da Família, Damares Alves, atuou para impedir um aborto autorizado pela Justiça de uma menina de dez anos que foi brutalmente estuprada pelo tio, no Espírito Santo. Se os elementos acima não lhe causam algum repúdio, lamento primeiro por sua falta de humanidade. Mas recorro, ainda assim, à legislação brasileira. O aborto é, sim, permitido legalmente em casos em que:
a) a gravidez ocorre a partir de um estupro;
b) há risco de morte para a gestante (nesse caso, havia devido ao corpo infantil);
c) há comprovação de anencefalia do feto;
Portanto, senhoras e senhores, é importante ressaltar: não havia nada de ilegal no procedimento de interrupção da gravidez da menina ainda que o hospital, também por entendimento legal, pudesse se recusar a fazê-lo. O caso está dentro da lei.
Voltemos à reportagem. Revelou a repórter Carolina Vila-Nova, da Folha, que uma operação coordenada pela ministra de Bolsonaro tinha como objetivo transferir a criança do município de São Mateus (no Espírito Santo) onde vivia, para um hospital em Jacareí, em São Paulo. No local, conforme desejava a ministra, a menina aguardaria a evolução da gestação e teria o bebê, fruto do estupro do tio.
A perversidade vai além. Informou a Folha que Damares enviou emissários para cuidar do caso da menina e, em determinada reunião com conselheiros tutelares da região, Alinne Duarte de Andrade Santana (subordinada a Damares no ministério) ofereceu melhorias para a estrutura do Conselho Tutelar. "A principal delas foi o chamado “kit Renegade”, composto de um Jeep Renegade (cujo valor inicial é R$ 70 mil) e equipamentos de infraestrutura, como ar-condicionado, computadores, refrigeradores, smart TVs e outros".
É isso. Você leu certo. Uma ministra de Estado coordenou uma ação em que alguém de sua equipe ofereceu um carro de luxo para manter no ventre de uma criança de dez anos um feto fruto de um estupro. DEZ ANOS. É inadmissível. É brutal. É desumano.
O caso não pode ficar impune.
É urgente que as autoridades investiguem a informação trazida pela Folha de São Paulo e responsabilizem quem agiu de forma sórdida, inclusive com oferta de recursos públicos em troca de ideais moralistas. Até aqui, entre tantas polêmicas que a cercam, Damares apresentara como ponto positivo justamente a defesa de crianças que são violentadas física e sexualmente. Onde foi parar tal empenho? Em nome do quê?
A ministra Damares nos deve seríssimas explicações.
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Editado: no final da tarde desta segunda-feira, o Ministério divulgou a seguinte nota de esclarecimento:
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) esclarece que não procedem as informações divulgadas nesta segunda-feira (21) pelo jornal Folha de S. Paulo, em reportagem intitulada “Ministra Damares Alves agiu para impedir aborto de criança de 10 anos”.
1. A única chamada de vídeo da ministra Damares Alves com pessoas da cidade de São Mateus (ES) ocorreu ao final dos trabalhos, quando teve uma rápida conversa motivacional com membros do Conselho Tutelar. Em nenhum momento foi mencionado em reunião com a ministra o caso da menina de 10 anos, tampouco o trabalho específico dos conselheiros nesse caso ou em qualquer outro acontecimento, muito menos sobre a possibilidade de interrupção provocada da gravidez da menina, assunto que sequer estava em discussão naquele momento. As afirmações da reportagem, portanto, são levianas.
2. A missão do Ministério foi integrada somente por dois servidores, que participaram de três reuniões para entender como funcionava e se havia falhas na rede de proteção local, com o objetivo de oferecer suporte e melhorias estruturais. Esta é uma missão Institucional deste Ministério e que foi cumprida em inúmeras outras ocasiões, sempre que solicitado este apoio.
3. Todos os eventos nos quais a equipe do MMFDH esteve presente foram acompanhados por diversos servidores públicos. Em nenhuma dessas reuniões foi debatida a realização ou não de interrupção provocada da gravidez. Ninguém do Ministério teve ou pretendia ter acesso a dados da criança ou de seus familiares. Não era discutido o caso específico da criança, mas algo mais amplo: a melhoria do sistema de proteção.
4. Também é falsa a afirmação de que representantes do Hospital São Francisco de Assis tenham sido recebidas por servidora do Ministério ou que tenham sido apresentadas como pessoas de confiança de Damares Alves. O nome da ministra sequer foi citado na reunião. Nem a equipe do MMFDH, nem os servidores da Secretaria de Assistência Social do município, conheciam as supostas representantes do hospital.
5. A reportagem menciona um tal “kit Renegade” sem a devida apuração do que se trata. A doação de automóveis e outros bens para conselhos tutelares é uma política nacional consolidada e criada pelo fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos. A entrega de carro e outros equipamentos, portanto, é missão institucional do Ministério. Outros 672 já receberam o mesmo kit em todo o país, desde janeiro de 2019. O benefício é para as crianças atendidas pelo Conselho, e não para os conselheiros. A insinuação feita pelo jornal de que este teria sido oferecido como moeda de troca é caluniosa e nitidamente infundada.
6. Reiteramos: em nenhum momento durante a visita dos servidores do Ministério à cidade foi discutida a possibilidade de interrupção da gravidez por parte da menina de 10 anos. O assunto tornou-se público, inclusive, somente após a saída dos servidores do município.
7. O Ministério já protocolou pedido de investigação para que sejam identificados os responsáveis pelo vazamento do nome da menina e de seus familiares. E isto foi feito na certeza de que nenhum colaborador deste Ministério teve participação no episódio.
8. Diante disso, o Ministério informa que estuda quais medidas administrativas ou judiciais poderão ser tomadas contra o jornal para restabelecer a verdade dos fatos. A reportagem foi desonesta.
9. Lamentamos novamente que o triste caso de um estupro de vulnerável e o esforço do Ministério para combater a pedofilia tenham se transformado em objeto de oposição política, inclusive por este veículo de imprensa. O criminoso é o estuprador. A menina inocente ficará marcada pelo resto da vida por este episódio. Este é somente um dos casos. Vários outros são acompanhamos pelo Ministério.
10. O Ministério continuará trabalhando pela melhoria do sistema de proteção da cidade. A reportagem não informa, mas já temos registrados mais de 157 casos de estupro de vulnerável seguido de gravidez de menores de 10 a 14 anos grávidas no Espírito Santo somente este ano. Quebrar este ciclo de violência é missão deste Ministério, é missão de toda a rede de proteção e também de toda a sociedade.