Os últimos disparos que atingiram em cheio a força-tarefa da Lava-Jato não vieram de políticos. Mas sim do comando do Ministério Público Federal ( MPF), instituição à qual pertencem os procuradores que conduziram a maior operação de combate à corrupção na história recente do país. Foram os servidores do MPF de Curitiba que desvendaram um esquema sofisticado de pagamento de propina por meio de doações eleitorais (uma máquina eficiente de lavagem de dinheiro) em troca de polpudos contratos junto à administração pública.
Não se restringiu a administrações petistas, como tentaram fazer crer alguns, mas a gestões tucanas, emedebistas, petebistas e progressistas. Poucos foram os partidos que não tiveram seus nomes citados na sequência de delações premiadas geradas a partir da Lava-Jato.
Como já noticiado por GaúchaZH, em transmissão em live esta semana, o procurador-geral Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro após desprezo à lista tríplice, sugeriu que o trabalho dos procuradores de Curitiba é uma "caixa de segredos" e, em recado direto à força-tarefa, afirmou depois a senadores que a República "não combina com heróis". Difícil acreditar que Bolsonaro tenha sido surpreendido pelas declarações do escolhido. Até aqui, nem um piu do presidente ou dos filhos 01, 02 e 03.
Procuradores com larga experiência no combate à corrupção descreveram o dia de ontem, quando repercutiram os ataques, como talvez o mais difícil desde que ingressaram na carreira jurídica. Que o establishment se voltaria contra o MPF era de se esperar. Mas quando o ataque parte do comando da instituição, o estrago é ainda maior.
- Fica cada dia mais e mais difícil. Sem qualquer perspectiva de que vá avançar em algum momento. Pelo contrário, só retrocessos - afirmou reservadamente à coluna um integrante do Ministério Público Federal que atua no combate à corrupção.
Isso sem falar no movimento da Procuradoria Geral da República em busca dos documentos sigilosos que fazem parte das operações do MPF. Em linguagem simples, equivale a ter acesso a investigações em curso, ou seja, controle sobre as investigações em andamento pela cúpula. Um movimento, como já descrito pela coluna, de fazer corar Romero Jucá e o pacto para estancar a sangria.
Tal postura não refletirá apenas na Lava-Jato, mas em todas as investigações do país, a se considerar também o episódio em que fora enviado um ofício aos procuradores que trabalham com combate à corrupção, questionando sobre eventuais investigações envolvendo governos estaduais. Quer mais? O sistema interno do MPF não é "auditável", ou seja, não deixa registros sobre quem acessou determinado documento. Na prática, equivale a uma porta aberta para interferências, sem digitais.
O tiro de Aras repercute nos corredores de Brasília. E encontra eco num Congresso majoritariamente atingido por escândalos de corrupção. Ao que tudo indica, não receberá reprimenda do presidente que foi eleito com a promessa de "acabar com isso daí". Quanto aos procuradores, uma triste certeza se impõe: o disparo contra a Lava-Jato parte de dentro de casa e não há sinais de um cessar-fogo.