Quem circula por Brasília ou interpreta há tempos as tramas da República percebeu um rompante de tensão no ar estabelecido a partir da operação da Polícia Federal que mirou empresários e blogueiros bolsonaristas, no inquérito que investiga fake news. O presidente da República, Jair Bolsonaro, subiu o tom e desabafou sua preocupação aos apoiadores que religiosamente amanhecem em frente ao Palácio da Alvorada: "Acabou p***. Me desculpem o desabafo. Acabou. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais.".
Com uma interessante rapidez, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou, interpretando que o inquérito "exorbitou" limites e balizas apontados pela PGR para o andamento da apuração. Na avaliação de Aras, as medidas determinadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, incluindo quebras de sigilos de aliados do presidente e bloqueios de redes sociais, foram "desproporcionais e desnecessárias por conta de os resultados poderem ser alcançados por outros meios disponíveis e menos gravosos". O advogado do presidente não faria tão bem.
As reações que revelam um governo tenso e preocupado não foram ao acaso. É preciso enxergar além e raciocinar em cima de três letras: TSE.
Voltemos alguns dias. No despacho que autorizou a operação das fakenews, o ministro Alexandre de Moraes (STF) determinou também a quebra dos sigilos fiscal e bancário de suspeitos de financiar a disseminação de notícias falsas e ataques a instituições nas redes sociais. O pedido incluiu ainda a apreensão de computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos, bem como de quaisquer outros materiais relacionados à disparada das mensagens ofensivas e ameaçadoras.
Ao seguir o rastro do dinheiro, é possível que a investigação encontre não somente provas relacionadas aos primeiros anos de governo, mas talvez um esquema muito bem organizado e posto em prática durante a campanha eleitoral de 2018. Como revelou a repórter Patrícia Campos Mello em outubro daquele ano, empresas estariam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no Whats App, em contratos que girariam em torno de R$ 12 milhões.
Caso a quebra de sigilo comprove algo neste sentido, há elementos para embasar eventual ação contra a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, já que a prática se configuraria em ato ilegal: doação de campanha por empresas (pessoa jurídica) é vedada pela legislação eleitoral. E mais poderia haver enquadramento na prática de "caixa 2", já que os recursos não teriam sido declarados junto à Justiça Eleitoral.
Nos bastidores, há quem enxergue também na subida de tom do vice Hamilton Mourão - no artigo publicado no Estado de São Paulo - elementos de apreensão quanto à possibilidade de cassação da chapa no TSE. Enquanto as discussões estavam restritas a impeachment ou retaliação ao presidente no Congresso, o vice se reservava a manifestações mais bem humoradas.
Por fim, é interessante observar que Bolsonaro, político com larga experiência na Câmara, sabe que precisa compor se quiser se manter no Poder, vide episódios recentes de afastamento de Dilma Rousseff e Fernando Collor. Daí as nomeações de apadrinhados por mensaleiros do grupo político conhecido como centrão. Parêntese: nos bastidores, hoje, nenhum político de direita, de esquerda ou de centro aposta em clima para aceitação de eventual pedido de impeachment já que o presidente conta com apoio popular e também no Parlamento.
Como seguro morreu de velho, Bolsonaro resolveu também se aproximar das três letrinhas que hoje lhe trazem mais preocupação. Como revelou a repórter Andreia Sadi, da TV Globo, nos últimos dias o presidente começou a por em prática o plano de aproximação com o Tribunal Superior Eleitoral, construindo pontes com ministros da corte eleitoral. As ações que pedem a cassação da chapa tramitam na corte e duas delas estão pautadas para a próxima semana (dia 9 de junho). Há também um ingrediente novo: o ministro Alexandre de Moraes, o mesmo do inquérito das fake news, passou a integrar o TSE desde a última terça-feira.
A aproximação de Bolsonaro com o TSE produzirá efeitos? As ações que pedem a cassação da chapa podem complicar o presidente? É cedo para dizer. Convém acompanhar cenas dos próximos capítulos.