Contêineres de lixo criados para impedir a ação de catadores irregulares (que atuam antes de o resíduo chegar aos galpões oficiais de reciclagem) começaram a ser instalados em Porto Alegre na última semana. Não demorou nem 72 horas até que pessoas fossem flagradas mergulhando no chorume outra vez.
Quando vi a imagem acima, postada pelo perfil "Bairro Menino Deus" (@meninodeuspoars), mantido por moradores da região (que por acaso é onde vivo), lembrei do dolorido poema de Manuel Bandeira:
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Essas linhas foram escritas em 1947, e é triste perceber que seguem mais atuais do que nunca.
A foto registrada por moradores do Menino Deus é a prova de que o problema do lixo e das vidas que tiram dele a sua sobrevivência é mais complexo do que parece.
É um problema social (ninguém, em sã consciência, quer se jogar dentro de uma lixeira, a menos que precise disso para viver) e é cultural, porque ainda tem gente que mistura resíduo reciclável e orgânico, o que acaba contribuindo para a sujeira da cidade (porque até o lixo "molhado" é revirado e jogado para fora por catadores).
Antes de tudo, é um problema humano.
As novas lixeiras e a intenção da prefeitura são boas, só que, sem um trabalho social de fundo, que de alguma forma dê amparo à população de rua para que tenha oportunidade de trabalho, sinto muito dizer, mas elas não darão certo de novo. O bicho, meu Deus, vai continuar sendo um homem, uma mulher, uma criança. Centenas, milhares deles.