Já reparou? A gente está desaprendendo a ver o mundo sem o celular. Em viagens, eventos, diante de uma paisagem deslumbrante, na apresentação da banda preferida, o que domina são os telefones, apontados para o alto, gravando vídeos ou fazendo fotos, e as pessoas ali, vendo a vida acontecer através do smartphone.
O mundo real foi reduzido à tela de um equipamento eletrônico.
As pessoas não veem mais um show. Elas filmam o show. É uma compulsão coletiva.
No teatro, os momentos de maior emoção são prejudicados pela luz de alguma tela acesa, porque alguém não se conteve. Para que olhar e sentir, de fato, o que está acontecendo no palco? Bobagem.
Nos finais de ano, já são raros os casos de pessoas que simplesmente olham para o céu para curtir os fogos. E a contagem regressiva, então, esqueça: não existe mais isso sem a presença das telas.
Tem gente que vai a Roma para ver o coliseu, mas, quando volta para casa, já não lembra dos detalhes. O mesmo vale para outros destinos icônicos.
Por que será?
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Soube de uma história mais ou menos assim: a mulher tinha o sonho de ver as pirâmides do Museu do Louvre de perto, em Paris. Foi até lá para isso. As pirâmides, você sabe, causaram a maior polêmica entre os franceses pelo design vanguardista do arquiteto Ieoh Ming Pei. Pois ela queria muito conhecer.
Dias depois de finalmente vê-las ao vivo, a viajante em questão se deu conta de que não havia prestado atenção. Ela precisava recorrer às imagens salvas no celular para lembrar do que viu. Ou melhor, do que não viu, porque, na verdade, quem “viu” foi o telefone.
Tudo ficou nebuloso na memória. Mas não, não tem problema, afinal, olhar na telinha é até mais bonito. Dá para dar um brilho, aumentar a saturação das cores, postar nas redes e apreciar. Qual é a graça de olhar com os olhos? Eu, hein?! Que antiquado!
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Em 1964, veja bem, em 1964, um teórico chamado Marshall McLuhan, professor e pensador canadense, lançou um livro que se tornaria um clássico: Understanding Media - The Extensions of Man. Há quase 60 anos, ele já falava dos meios de comunicação como extensões do ser humano e apontava a tecnologia (mídias eletrônicas) como um prolongamento dos sentidos.
De certa forma, o homem previu que essas mídias (e olha que ainda nem existia smartphone!) iriam escantear a vida real e até mesmo substituí-la.
Sim, eu estou exagerando, e, é claro, a obra de McLuhan é muito mais complexa do que esse meu resumo meia boca. Além do mais, os avanços tecnológicos são incríveis, facilitaram muito a vida e trouxeram benefícios sem fim. Não sou da turma dos “neoludistas”.
De toda forma, em todos os lugares, no exato momento em que você lê este texto, tem alguém com a vida intermediada por uma tela. A pergunta é: o que vem a seguir?