Impossível não sentir um arrepio na espinha ao acompanhar, mesmo de longe, os relatos estarrecedores que continuam chegando da Líbia. A situação desencadeada pela tempestade que arrasou o país vem sendo descrita como ainda mais grave do que a enfrentada nos piores momentos da guerra. Já se fala em 20 mil mortos.
Sim, estamos longe, a mais de 10 mil quilômetros de distância, vivemos em condições diferentes, mas temos muito a aprender sobre o que aconteceu na região do Magrebe.
Os líbios também foram alvo de um fenômeno meteorológico extremo, um ciclone ainda mais violento do que aquele que atingiu o Rio Grande do Sul em setembro. Lá, como aqui, guardadas as devidas proporções, a cadeia de prevenção e alertas também não funcionou como deveria.
Muito disso se explica, na Líbia, pela divisão política que se mantém desde a derrubada do ditador Muamar Kadafi do poder, em 2011. O país tem dois governos rivais, condição que dificultou a resposta à tragédia. Avisos sobre a gravidade do ciclone começaram a ser emitidos por institutos meteorológicos internacionais com 72 horas de antecedência, mas as autoridades agiram de forma desencontrada. Os comunicados enviados à população foram genéricos, confusos e até equivocados.
Mesmo 10 minutos depois da assustadora explosão ouvida na cidade de Derna - devido ao rompimento de represas sem manutenção, outro grave problema - as pessoas foram orientadas a ficar em casa. Foi fatal.
O “tsunami” de água e negligência levou tudo pela frente. Derna sucumbiu à tragédia climática, que foi multiplicada pela inépcia, divisão e incompetência dos governantes.
É evidente que, aqui, a situação é completamente diferente, e qualquer comparação, além de duvidosa, corre o risco de ser injusta. Mas temos de reconhecer que nós também falhamos ao sermos surpreendidos pelo tamanho da catástrofe - com "nós", quero dizer governos, sociedade, imprensa. E, sim, precisamos urgentemente melhorar o nível de precisão do nosso sistema de alertas.
Os avisos sobre o temporal foram emitidos pela Defesa Civil, eu os recebi e sei disso. Foram vários, não foram um nem dois. Mas foram mensagens de cunho geral, como as enviadas em outras tempestades, incapazes de fazer com que as pessoas parassem e se dessem conta da real dimensão do fenômeno que estava por vir.
Não foi à toa que hidrólogos da UFRGS concluíram que o potencial de desastre no Vale do Taquari poderia ter sido previsto "com várias horas de antecedência". Poderia mesmo. Precisamos admitir isso e olhar para o que acontece ao redor do mundo - inclusive a mais de 10 mil quilômetros de distância - para de fato evoluir.