O grande problema das finanças do Estado do Rio Grande do Sul não é o presente. Até o momento, as contas seguem equilibradas - ainda que esse equilíbrio, como tenho dito em minhas análises, seja delicado. O principal desafio é equacionar o futuro, a partir da próxima gestão, para evitar que o passado de atrasos de salários e fornecedores volte a assombrar a população gaúcha.
Isso inclui o regime de recuperação fiscal e, consequentemente, a dívida com a União. E inclui, também, o passivo bilionário com precatórios, outro problemão.
Ainda que seja alvo de críticas, o regime de recuperação funcionou bem até a alteração abrupta e irresponsável da alíquota de ICMS de combustíveis e telecomunicações (principal fonte de recursos do Estado). Essa mudança ocorreu às vésperas da campanha presidencial de 2022, com claros fins eleitoreiros.
Na prática, a redução do índice de ICMS de 30% para 17% baixou o preço da gasolina a fórceps, mas a um custo alto para os cofres estaduais. Segundo dados da Secretaria da Fazenda, a alteração representou uma queda próxima de R$ 5 bilhões nas receitas, o equivalente a três folhas de pagamento dos servidores do Executivo. Até agora, isso não foi compensado pelo governo federal (ainda depende de aval do STF).
A reportagem publicada nesta segunda-feira (3) pelo competente repórter Marcelo Gonzatto mostra que a redução na arrecadação do RS foi a pior entre todas as unidades da federação em 2022, com base em um estudo do economista Darcy Carvalho dos Santos, um dos maiores experts no tema.
Tudo isso, é evidente, se refletiu no plano de ajuste das contas apresentado pelo governador Eduardo Leite à União para aderir ao regime de recuperação fiscal - que nada mais é do que um programa federal de renegociação da dívida. No plano, o governo estadual se comprometeu a melhorar uma série de indicadores ao longo de 10 anos (prazo do regime) para que, ao final desse período, o Estado pudesse voltar a pagar, sem sustos, as parcelas "cheias" da dívida. O pagamento já foi retomado, mas de forma gradual e escalonada, em doses homeopáticas.
Isso não é um problema hoje, mas será em breve. A questão é que, como as regras do jogo mudaram no meio do caminho com a alteração imprevista no ICMS, passa a ser quase impossível cumprir o que foi acordado. E, se não cumprir, o Estado pode ser penalizado, inclusive com o fim do regime e a retomada imediata das parcelas cheias da dívida.
É por isso que renegociar o regime de recuperação é prioridade na Secretaria da Fazenda, e não é por menos. A ele também está atrelada a autorização para um novo financiamento internacional, de US$ 500 milhões, voltado ao pagamento de precatórios - dívidas que o governo tem com pessoas e empresas e que passa de R$ 16 bilhões. O empréstimo foi aprovado pela Assembleia Legislativa em julho de 2022, mas ainda não foi liberado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).