Nesses 10 anos de cobertura jornalística da tragédia da boate Kiss, ouvi de tudo. Por que falar disso outra vez? Vocês não se cansam? Não é hora de virar a página? Vão continuar remexendo na ferida? Somos questionados e também nos questionamos diariamente sobre o nosso ofício e sobre a melhor forma de levar informação de qualidade às pessoas, na dose certa.
No Caso Kiss, não é diferente. Há, desde o início, uma preocupação genuína em traduzir de forma respeitosa a dor de quem viu o horror de perto. Até hoje, é difícil saber ao certo como abordar um pai ou uma mãe enlutados. É duro formular perguntas a um sobrevivente. É um desafio encontrar o tom certo. Qual será a reação? Essa é uma questão que me atormenta sempre, antes de qualquer entrevista.
Nos 10 anos do incêndio, lembrados nesta sexta-feira (27) em uma série de atos, tive a certeza de que, sim, a maioria quer falar, deseja ser ouvida e busca ser compreendida. Ao longo dessa década, vi crescer na cidade um sentimento de rejeição aos familiares dos 242 mortos e às pessoas que sobreviveram à fumaça letal. Um pai, certa vez, me contou:
— Disseram que eu e os outros estamos afundando Santa Maria, que fazemos mal à cidade, que precisamos esquecer. Mas como esquecer? E se acontecer de novo?
Compreendi que essa não é apenas uma luta por justiça, embora o imbróglio judicial seja a face mais visível da tragédia nesses últimos anos. É, também, uma luta pelo direito à memória, pelo não esquecimento. Lembrar é preciso para que a história não se repita.