
Todos os dias eu acordo, respiro fundo e penso: hoje vai dar. Hoje o comentário no Gaúcha Hoje vai ser otimista. A coluna em GZH vai trazer uma notícia boa, uma faísca de esperança, um fiapo de sensatez que anime o meu dia e o da audiência. Mas o Brasil não colabora.
No fim de semana, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, acordou inspirada nas propagandas de crediário e lançou um vídeo em suas redes sociais lançando comercialmente o que ela chamou de “empréstimo do Lula”, se referindo ao programa de governo Empréstimo do Trabalhador, que permite que os brasileiros peguem empréstimos com juros menores desde que coloquem seu FGTS como garantia. Uma excrescência por si só, mas que conseguiu ser piorada pela ministra. No vídeo, ela aparece dizendo: “apertou o orçamento? O juro tá alto? Pega o empréstimo do Lula!”. Nenhuma menção, claro, ao fato de que os juros estão explodindo porque o governo ignora o fiscal.
O entusiasmo é digno de quem acabou de descobrir o cheque especial. O problema não é só o mau gosto. É que isso viola o princípio da impessoalidade na administração pública. Não se pode utilizar um programa de governo como promoção pessoal do presidente e Gleisi sabe disso, tanto que apagou o vídeo depois da repercussão desastrosa. Mas como diria sua companheira de lutas, a ex-presidente Dilma Rousseff, “depois que a pasta sai do dentifrício ela, dificilmente, volta para dentro do dentifrício”.
Mas o delírio não para por aí. Enquanto Gleisi brincava de influencer do Serasa, o vice-presidente Geraldo Alckmin — aquele mesmo, ponderado e professoral — agora resolveu sugerir que o Banco Central retire alimentos e energia do cálculo da inflação. Sim, a ideia é avaliar o custo de vida sem contar justamente o que corresponde a 30% do orçamento médio das famílias brasileiras. Como é possível aceitar essa ideia de um homem que governou não uma, nem duas, mas quatro vezes o estado mais rico, populoso e industrializado do país? Talvez ele pense assim porque não faz supermercado e nem paga conta de luz.
É como se o diabético dissesse que sua glicemia está ótima desde que não se meça o açúcar no sangue. A ideia faz todo sentido, desde que o povo não mantenha esses hábitos inconvenientes de acender a luz e se alimentar. É um tapa na cara de quem vive com o orçamento estourado.
E enquanto mandam o povo se endividar e fazer jejum, a comitiva presidencial chegou ao Japão com a leveza de um bloco de Carnaval de Salvador. O avião da FAB parecia a bolsa do Gato Félix, não parava de sair gente de dentro. Pelo menos 25 pessoas viajaram no que ficou apelidado de “arca de Noé” do governo — tudo pago com o seu dinheiro, contribuinte. Resta saber quais são os paralelos com a fauna.
A cada dia que passa o realismo fantástico vira apenas…realismo.
E o cidadão que não reclame. Se reclamar, “é contra o Brasil”. Se apontar os absurdo, é “pessimista”. Se cobrar decência, é “fascista”. Essa é a lógica da militância tresloucada que acha que patriotismo é aplaudir o rei mesmo quando ele aparece nu na avenida. E isso vale pra qualquer militância, não só a governista.
O roteiro do país parece de novela, mas é Dias Gomes demais até pra ficção. Porque a cada dia que passa o realismo fantástico vira apenas…realismo. E nós seguimos aqui, tentando começar o dia com esperança. Santa ingenuidade.