* Jornalista e escritor
O fanatismo é o mais triste dos males. Nasce da distorcida visão míope do mundo e da vida, e é pior do que a cegueira, pois crê que vê "o necessário" e, assim, não busca ajuda. Nem sequer usa bengala: guia-se pela ansiosa vaidade nascida da ignorância. Nosso processo de formação social (com charlatães, escravocratas e honoráveis ladrões) fez surgir nos últimos anos um perverso fanatismo partidário, que – num paradoxo – coincide com o desprestígio da ação dos partidos.
As agressões verbais que a jornalista e escritora Miriam Leitão sofreu dias atrás (iniciadas no aeroporto de Brasília e continuadas ao longo das duas horas de voo ao Rio) retratam a degenerescência reinante nos partidos. Em especial, nos "grandes", em condições de distribuir os lucro$ materiai$ do poder. Os agressores – que multiplicavam os palavrões com gestos de baixo nível – não eram marginais de rua.
Ao contrário, constituíam a flor e nata de uma grande agremiação política que, até bem pouco, governou o país por 14 anos, com apoio de outros partidos alugados para tal.
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Ocupavam a metade do avião e vinham do Congresso Nacional do PT, que tinha "analisado" a situação do país e escolhido a nova direção. Eram "delegados" de diferentes Estados, gente habilitada a definir políticas e rumos a incidir no futuro.
Para eles, aquela mulher não era alguém que – na prática diária da pesquisa político-econômica – contribui para desvendar o Brasil e traçar caminhos a partir de uma visão crítica. Tampouco era a colunista econômica séria e profunda de O Globo – com a qual se aprende até quando dela se diverge – nem a grande entrevistadora da TV.
Não era nada do que é. Era só "perversa inimiga do povo" e, mais do que tudo, "uma terrorista", como foi chamada a gritos, em meio a gestos ameaçadores.
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Nenhum jornalista ou escritor é intocável. Nem os que apenas noticiam o que veem. Como influi na opinião pública mais do que qualquer outro, o que escreve ou sustenta não é imposição ou dogma, mas um ponto de vista extraído de observações que serve ao leitor como ponto de partida. Mas, ao revelar fatos, desnuda aquilo que o poder político-econômico quer ocultar. E isto fere pequenas mesquinhezes e grandes interesses!
O fanatismo é o novo mal do século, gerado por preguiça e ignorância. Em vez de aprender com o passado e a realidade, preferimos ideias prontas em tudo, até na comida. A cegueira fanática do futebol viceja na política e, no dia a dia, explode nas chamadas "novas igrejas", substituindo a religiosidade pelo "milagre" pago a ouro e por antecipação.
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A política sempre atraiu fanáticos. Aqui, após a longa e tétrica ditadura direitista, na redemocratização o Partido dos Trabalhadores surgiu como algo novo e positivo, de baixo para cima, e gerou esperanças não despertadas sequer pela Revolução de 1930, de Getúlio Vargas, ou pelas reformas da esquerda pré-1964. Mas teve um "defeito de fábrica": convenceu-se de que o Brasil nascera com ele e que ele era a verdade e a vida.
O PT não precisava sequer de doutrina ou visão ideológica, não era socialista nem fascista, nem capitalista ou anticapitalista. Era ele próprio e isto era tudo.
E deu no que deu, com o agravante de que os outros partidos o seguiram, para imitá-lo, como PMDB, PP, DEM, PSDB e outros. E, donos da História, habitam o covil que a Lava-Jato desvendou.
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Miriam Leitão penetrou nesse antro, ajudou a sacudi-lo e, assim, no aeroporto e no avião lhe gritaram: "Terrorista f. da p., terrorista!". Anos atrás, muito jovem ainda, ela enfrentou a ditadura direitista, foi presa, torturada e – pasmem – chamada de "terrorista" por se opor ao terror dos que assassinavam e seviciavam em nome do poder do Estado.
Hoje, noutro século, escutou os mesmos epítetos de torturadores sem farda, integrantes de um congresso que escolheu como presidente partidário uma senadora do Paraná, suspeita de participação no terror revelado pela Lava-Jato…
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