Agora é Páscoa, mas nem parece.
O Brasil de março de 2016 é um avião em voo, no qual metade dos passageiros faz tudo para que caia ao solo porque não gosta do piloto. A metáfora me chegou pela internet, de autor anônimo, e define a exacerbação que move o absurdo pedido de impeachment de Dilma.
Com alegria, vejo o povo sair à rua, expandir ideias e opiniões - contra ou a favor do impedimento da presidente. Mas ao penetrar no âmago, no fundo de cada gesto, tudo choca e é brutal. O ódio está em todas as partes e nas duas partes. A intolerância virou visão fanática. E o fanatismo tudo permite. Quanto mais cruel, sibilino e perverso for o horror, mais a cegueira fanática se regozija.
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O grupelho que gritou duros insultos contra o ministro Teori Zavascki, junto à sua morada em Porto Alegre (num achincalhe verbal jamais visto contra os grandes ladrões), é o modelo perfeito da cegueira da cultura do ódio.
Não viram que a decisão de Zavascki não favoreceu a Lula nem a ninguém. Ao contrário, manteve a integridade da Operação Lava-Jato, evitando que se transforme em coisa anárquica e fora da lei, movida apenas pelo sensacionalismo.
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A antipatia que o estilo presunçoso do PT acirrou na sociedade brasileira ao se dizer acima de tudo e de todos, talvez ajude a explicar a ampla adesão ao esdrúxulo pedido de impeachment da presidente.
Os chefes petistas pareciam ter inventado o Brasil. Só eles sabiam dos problemas e da solução. Essa visão mágica passou aos militantes e eleitores, que de boa-fé os seguiram. Mas nem sequer se escorou em qualquer doutrina política. O PT eram "os honestos e incorruptíveis" que nos levariam à Canaã bíblica com rios de leite e mel.
Mas, em vez de posturas políticas, só reivindicações. Naqueles tempos (para não ter o cheiro da ditadura) ninguém se assumia como direitista. Até Delfim Netto se dizia "de esquerda". O lema de Sarney era "tudo pelo social". O PDT de Brizola integrava a Internacional Socialista. O PSDB surgira em São Paulo como a esquerda rompendo com a direita do PMDB.
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O PT reivindicava e denunciava e, nisso, prestou grandes serviços. Lula cruzou o país pregando contra tudo e todos, mas sem uma palavra sobre a organização do Estado e da sociedade. Jactava-se de não ter curso algum. Era a classe operária, "os de baixo" buscando um lugar ao sol. E vendeu a ideia de que o país começava com ele e o PT.
Desconheceu as passadas lutas sociais e populares, dos comunistas aos integralistas. Fez mofa da legislação trabalhista de Getúlio e da infraestrutura industrial criada a partir de 1930. Nada existia além do PT. Lula da Silva era novo Pedro Álvares Cabral.
Darcy Ribeiro morreu anos antes da eleição de Lula, mas disse uma frase profética, que Brizola gostava de citar:
- O PT é a esquerda que a direita ama com paixão!
E assim foi e é. Hoje, surge no país uma direita odiosa, recalcitrante e cega, que encontrou no pedido de impeachment o pretexto para disfarçar seu fanatismo como se lutasse "contra a corrupção do PT".
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A corrupção, porém, é do sistema partidário, não só do PT. E aí está o olhar que nada vê, que nutre a nova direita de ódio e intolerância.
O fanatismo de direita nasceu, em parte, como resposta ao pedantismo do PT, que se acreditava iluminado. Tão iluminado que entregou a tarefa de armar a corrupção na Petrobras ao PP, o Partido Progressista, surgido como herdeiro da ditadura com o nome de PDS. Deu o outro quinhão à pior ala do PMDB, hoje um aglomerado onde cabem corretos e malfeitores.
A esquerda que a direita ama não dialogou com a sociedade - preferiu os conchavos. Repartiu o poder com a base alugada chefiada pela direita, sem perceber que seria tragado por ela.
O governo é inoperante e medíocre? Sim, mas Sartori também é assim (e até multiplicado) mas não vamos pedir seu "impeachment" por isto, nem pichá-lo com o que não é, além de inoperante.
É Páscoa, data da Ressurreição que leva à compreensão e ao entendimento, mas nem se nota.
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