Faz tempo que digo, não é de hoje: o Grêmio não é mais quem dizia ser. Aquele Grêmio copeiro, raçudo, que enfrentava as dificuldades de queixo levantado, dentes rilhados e olhos de fogo, aquele Grêmio está congelado em algum dia do passado.
Provo: desde que venceu a Libertadores, em 2017, o Grêmio se atrapalha em decisões. Em 2018, na Libertadores, venceu o River na Argentina e veio para a Arena, para o segundo jogo. Fazia uma apresentação razoável, ganhava até os 37 minutos do segundo tempo. Time copeiro, tendo essa vantagem nas mãos, não deixa o adversário virar. Pode ser o Barcelona de Guardiola, pode ser o Real Madrid de Zidane, pode ser a Seleção Brasileira de 70, não interessa, time copeiro não leva dois gols, dentro de sua casa, diante de 50 mil torcedores, faltando tão pouco para acabar o jogo.
Pois o Grêmio levou.
Bem.
No ano seguinte, o Grêmio amassou o Athético Paranaense na Arena, na semifinal da Copa do Brasil. Fez 2 a 0, poderia ter feito quatro, o Athético saiu de campo todo troncho. Time copeiro não permite que adversário algum reverta tamanha supremacia, sobretudo se o adversário é inferior a ele tecnicamente.
O Grêmio permitiu. Foi bisonhamente desclassificado.
Mais tarde, pela Libertadores, o Grêmio encarou o Flamengo de Jorge Jesus.
Todo mundo sabe o que aconteceu.
Neste ano da peste de 2020, o Grêmio decidiu o Gauchão com o Caxias, time da série D, de David. Atuando na sua Arena, o Grêmio foi envolvido de tal forma, foi tão pressionado, tão espancado que a conquista da taça se tornou algo meio desconfortável. Kannemann e Geromel pegaram a taça, beijaram-na e a levaram lá para dentro, não se fala mais nisso.
Finalmente, nesta quarta, pela Libertadores, o Grêmio jogou contra um Santos despedaçado, cheio de desfalques e dívidas. O símbolo desse jogo não estava em campo. Estava no banco. O argentino-alemão Kannemann, que joga com a antiga gana que um dia marcou o Grêmio, que é uma mistura de Rivarola com Dinho, um jogador desses foi rebaixado para as sombras da reserva numa noite de decisão.
E lá estava o novo Grêmio, clássico, com volantes pequenos, que não guardam posição, com laterais que avançam ao mesmo tempo, com seu meia-esquerda blasé. Mal o Hino havia terminado, pátria amada, Brasil, já estava 1 a 0 para o Santos.
Foi o Grêmio que deu a saída de bola. No segundo toque, havia seis jogadores do Santos no campo de ataque. A bola chegou em Jean Pyerre e ele, acossado, assustado, recuou errado para o substituto de Kannemann, David Brás, que girou o corpo com a velocidade de uma mulher grávida. O jovem e veloz Kaio Jorge foi ao fundo, o goleiro Vanderlei saiu atabalhoado e... gol.
Era um Grêmio moloide, de futebol bailarino, contra um adversário que jogava como se aquela fosse sua última partida. Foi um vexame. Uma vergonha.
Por quê? Porque o Grêmio não sabe mais jogar decisões. A decisão é a partida mais linda do futebol, mais importante, que mostra quem, de fato, é “o cara”, como diria Obama. O Grêmio não é mais o cara. O Grêmio virou um time morno, que vence partidas mornas. Deveria se concentrar num campeonato morno, como esse chato Brasileirão de pontos corridos. Só em Grenais o Grêmio se mobiliza, porque aí tem metade da população de um Estado a instá-lo. Mas é pouco para quem quer tanto.
O mundo muda. As pessoas mudam. Tudo muda na vida. E o Grêmio mudou.