
José Fortunati está sem mandato há três anos, mas observa de perto a política e os partidos. Tem conversado com deputados e líderes políticos que o procuram, avalia propostas, dá palestras e grava vídeos para as redes sociais sobre gestão pública. Garante que não pretende disputar a próxima eleição – “talvez em 2022”.
No ano que vem, quer se envolver com a campanha apenas para “defender a minha gestão em Porto Alegre”. Na semana em que a Câmara de Vereadores aprovou projeto de Nelson Marchezan de correção da planta do IPTU sob a justificativa de que os valores não eram atualizados há 28 anos, Fortunati, o prefeito que mais tempo ficou no cargo desde 1990, explica por que não mudou o imposto.
O senhor é favorável ao projeto da prefeitura aprovado na madrugada da última terça-feira?
Na forma como está, não. Se fosse simplesmente atualização da planta de valores com um gatilho, não hesitaria em realmente apoiar. Mas não é só isso. Analisei uma nota técnica e tem várias surpresas. Uma delas: quem é dono do terreno baldio vai ser beneficiado.
Pegando um exemplo: por que o PT era contra? Porque o terreno baldio precisa ter um índice de IPTU para obrigar (o proprietário) a construir ou vender, e a proposta faz exatamente o contrário, o projeto favorece a especulação imobiliária. Tem mecanismos que ficaram em aberto. Teria resistências, não ao pressuposto do projeto, porque ele é correto. A atualização é correta. Acho que as pessoas terão muitas surpresas no final do ano quando receberem o novo carnê de pagamento.
Mas por que na sua gestão (2010 a 2017) a planta não foi atualizada?
Fizemos um levantamento aerofotogramétrico. Foi uma inovação importante porque se pode fazer uma avaliação em alta definição da cidade. Nossas equipes estudaram quadra a quadra para verificar e comparar a situação com a anterior. Passamos por toda a cidade para verificar a situação dos imóveis. E cobramos os tributos de quem havia feito ampliação de suas propriedades. Foi um passo importante. Isso foi em 2012 e 2013.
Hoje, a gente vai para a praça e para a orla, são milhares de pessoas diariamente. Lembro das dificuldades porque isso valoriza muito a conquista. Vou caminhar ali com muito orgulho e satisfação.
JOSÉ FORTUNATI
Sobre o projeto da Orla do Guaíba
Em 2014, surgiu a proposta da própria Secretaria da Fazenda de fazermos a correção da planta do IPTU, mas acabamos não avançando porque a crise econômica atingia em cheio os cidadãos. Tínhamos tido as demonstrações de 2013 já indicando insatisfação. No ano seguinte, a crise se agravou e concluí que não teríamos condições políticas para impor ao contribuinte aumento de tributo. Foi um decisão de governo postergar a atualização da planta até que o país saísse da crise. Esse é o motivo.
Porto Alegre ganhou nova área saudada por todos, a revitalização da orla. O projeto é da sua gestão. Como vê o resultado?
Às vezes, encontro pessoas que protestaram contra a obra — um arquiteto, inclusive, que jogou moedinha no Jaime Lerner na famosa audiência pública na Câmara de Vereadores — usufruindo da Orla do Guaíba. Mostra, infelizmente, os tais caranguejos, que nunca entendi por que se rebelavam contra a revitalização de um espaço completamente deteriorado. Tu pode ter outra concepção em relação ao Cais Mauá e aos armazéns, mas aquela área era completamente degradada. Quando propusemos a revitalização, as vozes se levantaram. Depois, usaram como argumento para se contrapor à presença de Jaime Lerner porque ele não era um arquiteto gaúcho e não tinha sido um concurso público. Tentaram de todas as formas evitar que a obra acontecesse. Mesmo durante a execução, tivemos vários protestos. Foi um processo longo e difícil porque dependíamos dos recursos do financiamento de fora. No governo federal, levou muito tempo no Ministério da Fazenda. Foi uma grande novela. Hoje, a gente vai para a praça e para a orla, são milhares de pessoas diariamente. Final de dia é impressionante, e final de semana nem se fala. Lembro das dificuldades porque isso valoriza muito a conquista. Vou caminhar ali com muito orgulho e satisfação.
Agora ressurgiu um velho tema, o muro da Mauá. O senhor já foi a favor da derrubada.
Antes de entrar na prefeitura, na gestão com Raul Pont (PT), eu era daqueles que defendiam a derrubada do muro da Mauá. Assumo isso. Entendia que aquele muro era um absurdo, um obstáculo para que tivéssemos uma relação com o Guaíba. Depois, indo para prefeitura, obviamente me reuni com técnicos do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) de excelente capacidade para entender o sistema de proteção contra cheias. A partir daí, me convenci plenamente da importância do muro da Mauá.
Tinha gente que projetava na década de 1920 que uma nova enchente só poderia ocorrer em Porto Alegre em mil anos. E aconteceu em 1941. Depois tivemos em 1967, 1976 e 2015. Não existe lógica. A natureza está pouco se lixando para a matemática. Também temos o aquecimento global, mesmo que alguns tentem desconhecer, mas ele existe, há um degelo das calotas polares. Se tu fores a Natal, é impressionante: a cidade está sendo comida literalmente. Em Santa Catarina, são vários os casos onde residências que ficavam a cem metros do mar já foram consumidas. Os movimentos da natureza mostram que temos de ter muita cautela.
Nunca vi o prefeito Marchezan se reportar à crise nacional. Acho isso incrível. Só tentando me responsabilizar pela crise financeira.
JOSÉ FORTUNATI
Sobre relação com atual prefeito
Quem também me convenceu de forma definitiva foi o IPH, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas. Depois de conversar com o pessoal do DEP, fui ao IPH. E aí me mostraram: quem é contra o muro no IPH não quer simplesmente a retirada do muro, mas acha que tem outros mecanismos de proteção que o substituam. Só que são mecanismos extremamente caros. Pergunto: a cidade, o país e o Estado têm condições de, hoje, substituir o muro por outro sistema elevadiço caro que, quando não está sendo utilizado, fique por baixo da terra? Não tem.
Uma frase sobre o governo Bolsonaro?
É um governo atrapalhado, é uma Torre de Babel e Torre de Babel não se governa. Torço para que rapidamente o governo comece a ter coesão interna.
E o governo Eduardo Leite?
Está demonstrando uma competência muito grande dentro das dificuldades, dialogando com todos os setores.
E o governo Marchezan?
O governo Marchezan perdeu muito tempo tentando achar desculpas para as dificuldades que a cidade enfrenta. Nunca vi o prefeito Marchezan se reportar à crise nacional. Acho isso incrível. Só tentando me responsabilizar pela crise financeira. Ou seja, é disputa política. O problema do Marchezan é que ele se preocupou ao longo desse período muito mais com a disputa política do que com a gestão da cidade.