A campanha presidencial mais curiosa dos últimos 20 anos é marcada pelo fim da polarização PT-PSDB, o crescimento de intenção do chamado voto útil e faixa bem distinta do eleitorado que se considera indefinida, a das mulheres. As constatações emergem das principais pesquisas eleitorais divulgadas até agora. A CEO do Grupo Ibope, Márcia Cavallari, acrescenta mais um aspecto que ainda pode fazer diferença em relação aos resultados até agora: boa parte do eleitorado opta por um candidato ou partido nos dias que antecedem a eleição.
É possível identificar o percentual de eleitores que deixam a definição de voto para o último momento?
Na eleição de 2014, na primeira pesquisa que realizamos no segundo turno, perguntamos quando ele (o eleitor) tomou a decisão de voto no primeiro turno: 34% disseram nos últimos dias de campanha. Cerca de um terço deixa para a última hora, espera os últimos debates, as últimas entrevistas.
A última semana, então, é decisiva?
Sim. Temos visto isso nas várias esferas – governador, prefeito e presidente – que o eleitor está decidindo o seu voto cada vez mais tarde porque fica querendo avaliar os candidatos, votar corretamente. Ele espera até o último momento para ver se não vai aparecer nenhuma denúncia contra o candidato, se ele vai bem no debate, o que acontece na última semana da campanha. Esse voto acaba ficando mais consolidado na última semana.
Existe alguma chance de a eleição presidencial ser definida no primeiro turno?
Nessa pesquisa de hoje (quarta-feira) que a gente divulgou, da CNI, o (Jair) Bolsonaro tem 33% dos votos válidos. Para ganhar no primeiro turno, teria de ter 50% mais um voto. Teria de ser uma movimentação muito rápida e significativa porque tem de ganhar mais 17 pontos percentuais nos votos válidos. A possibilidade existe? Existe. A probabilidade é zero? Não. Mas a probabilidade de acabar a eleição no primeiro turno com as últimas pesquisas divulgadas ainda é bem pequena.
Que percentual de rejeição inviabiliza uma eleição?
Não tem uma regra, mas, claro, quanto maior o percentual de rejeição, mais difícil fica para esse candidato (vencer), principalmente em cenário de segundo turno. Na pesquisa de segunda-feira, Bolsonaro estava com rejeição de 46%, na de hoje (quarta-feira) está 44%, na anterior estava com 41%. Então, ele está com cerca de 40%. Quando estava com (Luiz Inácio) Lula (da Silva no cenário eleitoral), ele tinha 37%. Depois que Lula saiu, ele (Bolsonaro) passou a ser o mais rejeitado.
Então não dá para dizer que existe um percentual que inviabiliza a eleição?
Não. Dependendo do que acontece na campanha, a rejeição também pode ir mudando, assim como a intenção de voto. Se acontece um fato que faz com que as pessoas deixem de votar em um candidato, pode aumentar a rejeição dele. (Por outro lado) Um fato que aumente a intenção de voto em determinado candidato pode diminuir a rejeição dele.
Pode-se dizer que a polarização PT-PSDB acabou?
Com exceção de 1989, todas as eleições foram polarizadas entre PT e PSDB. Nesta eleição, também tem polarização, mas quem está protagonizando não é o PSDB, é o Bolsonaro. Quando se analisa o perfil dos eleitores do Bolsonaro e o dos eleitores do PT, são totalmente antagônicos. O eleitor do Bolsonaro é mais jovem, (tem) alta escolaridade, maior renda. O do PT, menor escolaridade, mais idade, menor renda. A polarização continua, mas não mais protagonizada pelo PSDB. Bolsonaro acabou puxando esse papel.
Pode ter volatilidade do voto. As intenções de voto do Bolsonaro e do Haddad são mais firmes, as dos outros são mais voláteis.
Até que ponto vai a capacidade de transferência de votos de Lula para Fernando Haddad?
É bem difícil de responder. Dava para ver que, na hora que as pessoas soubessem quem seria o candidato do PT e do Lula, haveria essa migração (de votos). É o que a gente está vendo nas últimas pesquisas. Agora, é difícil saber o quanto vai conseguir transferir. Aconteceu em 2010, quando Dilma (Rousseff) também não era conhecida, mas Lula estava de braços dados com ela.
Agora não está (com o Haddad). Lula, por exemplo, nas pesquisas que a gente fez este ano, tinha intenção de votos no Nordeste que chegava a 60% em alguns Estados. Haddad não tem como conseguir tudo isso, mas qual é o limite dele? A gente não sabe. Hoje, o Estado do Nordeste em que ele tem maior intenção de votos é 38%, no Piauí. Lula, quando a gente fez a última simulação (nesta eleição), tinha 65%.
Na eleição americana de 2016, as pesquisas não conseguiram captar tendência pró-Donald Trump. Muito se falava do poder das redes, fake news... Há possibilidade de que algo que acontece no "submundo" não seja captado pelas pesquisas?
Acho difícil. Lá nos EUA, é bom esclarecer, as pesquisas de intenção de votos deram certo: mostraram a Hillary (Clinton) na frente e a ela ganhou no voto popular. O que deu errado foram as projeções que foram feitas por conta daquela regras dos delegados. Para fazer a regra dos delegados, teria de ter uma pesquisa individualizada para cada Estado. O problema maior foi na projeção e não na pesquisa em si. Na nossa eleição, não tem essa regra. É um voto que vale e acabou. Já as redes sociais vêm aumentando a sua importância como meio de comunicação dos candidatos com eleitores e na disseminação da militância espontânea, como no caso do Bolsonaro. Ele nem tem tempo de televisão e tem essa intenção de voto. Não é só a TV que conta. E ele já estava trabalhando nisso (nas redes sociais) há muito mais tempo.
As pesquisas indicam alguma surpresa pela frente?
Bolsonaro começou bem. Levou a facada, cresceu. Agora, estabilizou. Marina começou na frente. À medida que as pessoas conheciam quem era o candidato do PT e do Lula, eram votos que tinham ido temporariamente para Marina e agora estão voltando para o PT, por isso ela está caindo. Ciro também ganhou um pouco de votos quando o candidato do PT não estava oficializado, mas não perdeu. Conseguiu segurar. As pesquisas estão mostrando várias movimentações, estão acompanhando os fatos. Pode ter surpresa? Pode. E pode ter mudança de última hora. Pode ter volatilidade do voto. As intenções de voto do Bolsonaro e do Haddad são mais firmes, as dos outros são mais voláteis. Esses que são mais voláteis podem fazer outra estratégia de voto. Alguma movimentação é possível.
Qual faixa de eleitores indecisos está mais em disputa neste momento?
São as mulheres: 13% dos homens não citam nenhum candidato, estão votando branco, nulo ou está indeciso e, entre as mulheres, são 25%.
O eleitorado feminino é chave?
Representa 53% do total. Se resolverem ir para um lado só, pode mudar bastante o resultado da eleição. Em outro segmento, tem uma faixa significativa, são as pessoas com 55 anos ou mais: 25% das pessoas não citam (candidato) ou falam branco e nulo ou não sabem ainda (em quem votar) na pergunta estimulada. Nos com Ensino Fundamental, 26% deles não sabem em quem votar. Nos com renda mais baixa, de até um salário mínimo, 23% ainda não declaram (intenção de voto) em nenhum candidato.