Eu estava me percebendo ultrapassado diante dos filhos, tanto em termos de linguagem quanto de aparência, quando fui ler a coluna do meu amigo Mário Corso em ZH. Ele, como um bom terapeuta, já resolveu a fossa:
“Pense no cinzeiro. Ninguém sofreu mais do que ele nos últimos anos. De centro de mesa, presença imprescindível na sala, agora está no fundo de um armário de onde só sairá para o lixo. Ele, que era símbolo de prazer, agora sugere doença e fraqueza de caráter”.
Realmente havia cinzeiro em qualquer ambiente doméstico. Uma escultura de vidro nos gabinetes. Um ícone de poder nas residências de respeito.
Hoje você só encontra bituqueiras camufladas de lixeiras nas ruas. Tem que fumar de pé, na calçada, escondido, como se fosse um criminoso.
Há quatro décadas, carros tinham cinzeiro. Inclusive vinham com acendedor de cigarro. Aliás, o acendedor, uma espécie de botão em brasa, foi desaparecendo dos veículos e deu lugar às entradas USB.
Quem não viveu esse tempo não vai acreditar em mim. O vício se mostrava mais do que permitido, recebia grandes incentivos.
Os tabagistas desfrutavam de status de prosperidade e altivez.
Avião tinha cinzeiro, e empresas aéreas entregavam amostras de cigarro de brinde.
Ônibus tinha cinzeiro, e as janelas se mantinham fechadas.
Escolas tinham cinzeiro, e a sala dos professores era uma cortina de fumaça. Crianças ganhavam cigarros de chocolate.
E o estarrecedor: hospitais tinham cinzeiro, e propagandas ostentavam médicos recomendando suas marcas prediletas. Você só não podia fumar entubado. Já os corredores de espera estavam livres para a ansiedade vaporosa das bitucas.
Promotores, juízes e advogados de defesa trocavam baforadas em pleno júri.
Você exercia o hábito no cinema e no teatro. Não precisava sair de sua poltrona ou se preocupar com quem estava ao lado.
Lembro que os restaurantes reservavam uma ala estreita e antipática para não fumantes, porque a maioria dos clientes desenhava no ar gordas e suntuosas nuvens de suas mesas.
Quando Mário Corso reconstituiu esse item decadente numa crônica maravilhosa, fiquei com pena dos cinzeiros, não mais de mim.
Mas, caso você dependa de um estímulo mais forte para não se achar tão anacrônico, recorde o espanador de pó, algo que supera o cinzeiro em termos de extinção.
Os objetos de casa não sentem cócegas como antes. Estão rindo muito menos.
A vassoura de mão, responsável pela remoção de pó em persianas e superfícies altas, sumiu dos supermercados.
O espanador era uma peteca que se tornou adulta. Uma peruca voadora.
Apresentava uma cabeleira maluca, tradicionalmente grisalha. A limpeza das estantes parecia um show de heavy metal, com o movimento headbanging, o bate-cabeça da dança. O utensílio jogava violentamente suas mechas para frente e para trás no ritmo da música.
O cinzeiro está morto, mas, se enxergar um espanador de pó, daí é você que morreu, é você que já está numa outra dimensão.