Difícil acordar na segunda-feira (6). Assim como milhões de brasileiros ligados na telinha, eu fiz torcida para Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025.
O prêmio terminou sendo anunciado perto da 1h.
Foi como último capítulo das novelas de antigamente, foi como final de Copa do Mundo: família insone reunida no sofá, comendo pipoca, tentando sobreviver aos comerciais e se manter de pé na hora derradeira.
O longa Ainda Estou Aqui já tinha antecedentes favoráveis: é estrondoso sucesso de bilheteria, arrecadando R$ 62,7 milhões desde sua estreia, em 7 de novembro. Conquistou o Melhor Roteiro no Festival de Veneza, após ser ovacionado em sua exibição e aplaudido por dez minutos. Também levou o Prêmio do Público no Festival Internacional de Cinema de Vancouver, com mais de 40 mil votos, e ganhou uma estatueta no Critics Choice Awards pela atuação de Fernanda Torres.
Fernanda era o Brasil, e ela venceu pela sua performance serena, emocionante e envolvente no filme de Walter Salles Jr., superando atrizes já oscarizadas, desbancando o panteão de Hollywood (Angelina Jolie, Nicole Kidman, Tilda Swinton, e Kate Winslet).
É a nossa primeira atriz a alcançar um Globo de Ouro.
Enquanto ela se dirigia ao palco e transitava lentamente pelas mesas do Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles, para abraçar Viola Davis e receber a estatueta, eu via a Fauna de Baila Comigo, a Marília de Brilhante, a Carula de Marvada Carne, a Eliane de Com Licença, Eu Vou à Luta, a Simone de Selva de Pedra, a Francisca de Kuarup, a Alex de Terra Estrangeira, a Diana de Comédias da Vida Privada, a Maria Augusta de O Que É Isso, Companheiro?, a Dora de Luna Caliente, a Vani de Os Normais, a Marina de Saneamento Básico, a Fátima de Tapas & Beijos, a Estela de Todas as Mulheres do Mundo, até se materializar em Eunice Paiva, seu papel em Ainda Estou Aqui, representando uma pioneira dos direitos humanos no país, a partir da narrativa do filho de Eunice, Marcelo Rubens Paiva.
Três décadas da nossa televisão e cinema desfilavam como camadas e feições de uma mesma mulher, como personagens de um mesmo destino, como folhas de uma mesma árvore naqueles pequenos passos ao palco — e saltos gigantescos para a cultura do nosso país.
Ela caminhava com um vestido mostrando as costas nuas, um símbolo emblemático de que não deixava nada de si para trás.
A soma de seu andar não se restringia à atuação do momento, mas coroava uma existência inteira da comédia ao drama.
Aos 59 anos, Fernanda Torres escreveu novamente seu nome na história do cinema mundial. Aos 20 anos, já tinha sido a primeira atriz brasileira a obter a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Fernanda, filha de artistas, é icônica. É despojada. É cativante. É romancista. É cronista de jornal. É pensadora.
O mais comovente é que ela dedicou o prêmio a sua mãe, Fernanda Montenegro, que disputou idêntica categoria em 1999, pelo papel em Central do Brasil.
Não se tratou de vingança, mas de justiça, que unicamente a arte é capaz de realizar.