Você se lembra do comercial do primeiro sutiã: "o primeiro Valisère a gente nunca esquece"?
Foi Washington Olivetto que fez.
Você se lembra do comercial do Garoto Bombril: "Bombril tem mil e uma utilidades"?
Foi Washington Olivetto que fez.
Seus bordões entravam no imaginário popular, alavancando marcas e extrapolando suas expectativas de venda. Quem não recorda: "o amaciante Bijou tem dois perfumes enquanto o outro tem um só"?
Ele transformou a propaganda brasileira. Antes dele, ela se resumia a minutos perdidos entre um programa e outro na televisão. Depois dele, houve toda uma geração que esperava o suspense e o impacto do intervalo comercial. Suas peças com breves histórias batiam em audiência a própria novela.
O publicitário Washington Olivetto faleceu no domingo (13), aos 73 anos, enquanto estava internado em hospital no Rio de Janeiro, e deixa um vácuo na cultura pop. Não há quem tenha sido mais icônico.
Olivetto passou a ser sinônimo de inteligência, de refinamento, de pensamento analista e crítico do mercado (autor de livros como Direto de Washington: W. Olivetto por ele mesmo).
Dois de seus comerciais brasileiros estão no panteão dos 100 maiores do mundo. Um deles é o que mostra uma série de dados extraordinários de um determinado governo, com o aumento do PIB e a erradicação do desemprego, para revelar ao final que se tratava de feitos de Adolf Hitler. Se alguém simpatizava com a mensagem até então, a frase final dá uma rasteira: "é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade".
Ele desconstruía as aparências, mostrando o quanto podemos ser seduzidos por tiranos. Ou por enganos.
Sabendo de sua influência, jamais trabalhou em campanha política. Para não se arrepender depois, recusava de antemão qualquer vínculo eleitoral.
Sem ter concluído a graduação (pela Fundação Armando Álvares Penteado — FAAP), tornou-se um dos publicitários mais premiados de todos os tempos. Ganhou o Clio Lifetime Achievement Award em 2014, um dos prêmios de maior prestígio da publicidade mundial, e levou para casa mais de 50 Leões de Ouro no Festival de Cannes. Obteve o reconhecimento como um dos 25 publicitários-chave do mundo pela revista britânica Media Internacional, além de ter sido eleito duas vezes o publicitário do século pela ALAP (Associação Latino-Americana de Publicidade) e figurar como o primeiro não anglo-saxão da história a entrar para o Creative Hall of Fame, do The One Club – a “Calçada da Fama” dos profissionais de publicidade.
Sua antiga agência, a W/Brasil, alcançou tamanha popularidade que até virou música de sucesso de Jorge Ben.
Ele também modificou o entendimento do futebol. Na condição de vice-presidente de marketing do Corinthians, nos anos 80, formalizou o Movimento Democracia Corinthiana, em que jogadores, liderados por Sócrates, Casagrande e Wladimir, decidiam assuntos internos de forma democrática (por exemplo, onde ficariam na concentração e premiações de vitórias e títulos), com votações entre os atletas.
Eu me encontrei com ele em três oportunidades. Eu senti que o maior comunicador gráfico e textual do país era, em sua essência, um bom ouvinte.
Apesar do estrelato e da sua importância histórica, não se apresentou vaidoso, cheio de si, megalomaníaco. Tinha todos os motivos para ser, e pretendia me escutar, queria conhecer a minha história, entrar em minha alma.
Humilde, explicava que aprendia fazendo, que consertava o avião em pleno voo.
Olivetto foi um sujeito tímido que penetrava na identidade das pessoas pela apurada observação.
Eu perguntei qual tinha sido a lembrança fundadora de sua sensibilidade.
Ele me contou que, na infância, ficou isolado durante um ano por ameaça de poliomielite.
Trancado no quarto, longe da escola, sem contato com os amigos, começou a decifrar as expressões dos rostos dos familiares para entender o que estava acontecendo. A solidão permitiu que desenvolvesse o dom de ler desejos e antecipar tendências.
Uma doença que não existiu desencadeou a saúde criativa de um mestre.