Não há maior perigo para a felicidade do que acreditar que temos todo o tempo pela frente. Porque só adiamos as nossas aspirações. Adiar é não fazer. Adiar é nunca fazer. Adiar é abandonar. Adiar é jurar que, em algum momento, poderemos continuar o que paramos. Como se existisse uma repescagem imaginária para nossas eventuais falhas e lapsos.
Quem nunca se matriculou em um curso digital, com acesso ao conteúdo por um ano, e protelou as aulas até expirar o prazo?
Quem nunca acumulou jornais, livros e apostilas para ler no final de semana e jamais teve uma folga redentora?
Quem nunca empurrou uma viagem de férias para depois e o depois não veio porque o trabalho sempre exigia novos desafios?
Quem nunca prometeu voltar a correr ou retomar um esporte, e os horários encolheram?
Quem nunca teve um dom, um prazer, uma paixão secreta por uma atividade (música, cozinha, pintura, artesanato, literatura) e o ofício não foi desenvolvido?
Se você ainda se vê infinito, imortal, onipotente, se não aceitou que a mortalidade tem data de validade, saiba que já possui a sua foto de morto. Já existe a sua foto de morto entre os seus arquivos. A foto que vai estar no seu anúncio fúnebre. A foto que circulará nas redes sociais como homenagem póstuma dos amigos e familiares. Já existe essa imagem no seu celular, no seu computador, nas suas postagens. A foto que será reproduzida no convite de seu velório e de seu enterro, que talvez saia no jornal. A foto que não escolheu, que será definida por um ente querido, capaz de traduzir o seu temperamento, a sua personalidade, o seu modo de encarar os acontecimentos.
É possível que esteja rindo nela. É possível que esteja com trajes de banho, à vontade, na praia. É possível que esteja abraçado alguém que será cortado da fotografia. Não costuma ser escolhida uma pose séria, de um ângulo respeitável.
A informalidade indica a injustiça prematura do adeus. Sua alegria estampada naquele instante contrasta com o tom cerimonioso dos pêsames, do corte abrupto da sua permanência entre nós e do seu elo com os seus afetos.
Alguma pessoa próxima se decidirá por uma imagem em que você se encontrar à toa, contente, no meio de uma festa, de uma celebração, desprovido de qualquer pressentimento, desprevenido da doença ou da tragédia, representando, com isso, a imprevisibilidade da despedida, demonstrando que não estava pronto para partir.
Você já tem essa temida fotografia. Pode ser amanhã, depois de amanhã, na velhice, mas vai acontecer. A foto será usada.
Do mesmo modo, todo ano, sem perceber, você passa pela data da sua morte. Pela data que será o seu segundo aniversário, aniversário da saudade para aqueles que ficarão a prantear a sua ausência. Todo ano, você atravessa um dos dias mais importantes de sua trajetória, sem consciência nenhuma de que será ele o último dia de sua vida.
Todo ano, pisa na folhinha do calendário, naquele marco temporal que completará as inscrições de sua lápide. Todo ano, você é um desavisado do seu próprio fim.