Na minha infância, os irmãos maiores cuidavam dos irmãos menores. A gurizada do lar se protegia.
Eu fui criado pelos meus irmãos. Quem trocou as minhas fraldas foram os meus manos mais velhos, Carla e Rodrigo. Da mesma forma, eu troquei as do Miguel, o caçula.
Engatinhamos juntos, caminhamos juntos, esquentávamos as mamadeiras no fogão dentro de uma caneca com água, fazíamos o almoço.
Não havia mordomia. Como vivíamos um tempo de recessão com o divórcio dos pais, não contávamos com babá.
A mãe saía de casa para trabalhar durante o dia e ficávamos sozinhos. E não existia solidão antes dos dezoito anos.
Desde pequenos, recebíamos a responsabilidade da própria guarda. Cumpríamos uma missão doméstica e nos revezávamos no controle de onde cada um se encontrava.
Varríamos os aposentos, lavávamos a louça, aguávamos as plantas, arrumávamos as camas, colocávamos a roupa para lavar. Ninguém se sentia explorado.
Antes de se despedir, mamãe não cansava de repetir: “não abram a porta para estranhos”. Uma máxima matinal de que ainda recordo a ênfase séria, sem brincadeiras, sem piadas.
Fechávamos a tranca de baixo e superávamos a saudade da rua brincando no pátio.
Realmente não abríamos a porta.
Se escutássemos palmas na frente do portão — naquele tempo as residências eram aplaudidas, pouco se usava a campainha por medo dos cachorros soltos —, espiávamos o vulto pela janela e gritávamos para voltar mais tarde.
Podia ser um entregador, um carteiro, um pedinte de pão velho, um vendedor de enciclopédia, um vizinho, um religioso salvador de almas, um feirante, não dávamos concessão ou privilégio.
Desaparecíamos no silêncio da obrigação.
Miguel acabava tendo a reação mais engraçada e mais pura entre nós. Em vez de dizer “volte mais tarde”, falava “não tem ninguém em casa”.
Troçávamos dele:
— Você não é ninguém?
Ele não gostava nem um pouco da piada.
É estranho pensar que hoje os adolescentes são absolutamente dependentes. Raros cozinham (e miojo não conta!). Raros realizam atividades caseiras. Raros empunham, de modo voluntário, o rodo e o balde para uma faxina. Alguns se mostram até constrangidos na hora de quebrar um ovo — conhecem unicamente o micro-ondas.
Muito além de uma visão elitista, o que incomoda é a superproteção em todos os segmentos sociais. Os pais compensam a falta de tempo com um excessivo e perigoso zelo. Não querem que seus filhos tenham nenhum trabalho, e esvaziam as possibilidades futuras de sua autonomia.
A preguiça vai substituindo a disciplina, e depois, quando virarem adultos, eles se encontrarão despreparados para a vida. Nem saberão onde fica o disjuntor de luz.
Será que subestimamos os nossos jovens? Será que perdemos o poder de uma família unida?